O autor
Laurentino Gomes, natural de Maringá, tem 51 anos. Formou-se em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná e, em 30 anos de carreira, trabalhou como repórter e editor de algumas das principais publicações brasileiras, como o jornal O Estado de S. Paulo e a revista Veja. Atualmente, é diretor de uma unidade da Editora Abril, responsável por 23 revistas segmentadas.
Entre as fontes não-convencionais às quais Gomes recorreu está o banco de dados genealógicos mantido pelos mórmons em Salt Lake City, no estado de Utah (EUA). Também recorreu a serviços de podcast no iTunes, que armazena aulas e conferências de grandes instituições de ensino como a Universidade da Calfórnia, em Berkeley.
Números
52 mil cópias de 1808 já foram vendidas. O livro está sua quarta reimpressão.
10 anos foram necassários para que o jornalista Laurentino Gomes fizesse toda a pesquisa e escrevesse 1808.
O Brasil estará em festa ano que vem. Serão comemorados dois séculos da chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro. A efeméride, que já serve de tema (ou pretexto) para uma série de eventos e iniciativas no país, sobretudo na capital fluminense, deverá ou pelo menos deveria despertar entre nós uma ponta de curiosidade sobre os acontecimentos em torno da transferência da corte da rainha lusitana (e louca) d. Maria I e de seu filho, o príncipe-regente d. João VI, para os trópicos. Afinal de contas, trata-se de um fato histórico que mudou o destino da nação brasileira.
Para quem deseja compreender melhor tanto as circunstâncias históricas quanto as conseqüências da passagem dos Bragança pelo Brasil no início do século 19, uma sugestão: leia 1808 (Planeta; 408 páginas; R$ 39,90), do jornalista paranaense Laurentino Gomes, livro que, desde seu lançamento, há pouco mais de um mês, ocupa os primeiros lugares da lista das obras de não-ficção mais vendidas no país.
Em entrevista ao Caderno G, por telefone, Gomes se disse surpreso com a repercussão positiva de 1808, que já está na quarta reimpressão. Ele conta que estimava vender 20 mil exemplares uma ótima cifra para o magro mercado editorial brasileiro em toda a "carreira" do livro. Atingou 52 mil cópias em poucas semanas.
O segredo desse sucesso até certo ponto inesperado? A dedicação do autor ao tema, que lhe consumiu dez anos de pesquisa, e a opção de tratar a tarefa como uma grande reportagem investigativa. Percebe-se o extremo cuidado na apuração dos fatos e a preocupação de Gomes em oferecer ao leitor um texto que conseguisse ser ao mesmo tempo informativo e reflexivo, fluente e sem cair nas armadilhas da abordagem acadêmica, que poderiam afastar o leitor mais leigo.
1808 é um daqueles livros que podem ser lidos de um fôlego só, que envolvem da primeira à última página. Talvez por conseguir ser uma espécie de manual claro, objetivo, mas nunca simplificador, de um episódio histórico que escapa à maioria dos brasileiros. Gomes busca temperar sua narrativa com bom humor e fina ironia sem esbarrar na paródia reducionista. Também não falta ao texto consistência, resultante do rigor do jornalista com as fontes, que vão desde a historiografia já publicada à documentação do período (fontes primárias), bancos de dados e até conteúdos de aulas ministradas em universidades norte-americanas, conseguidos por meio de podcasts (gravações disponibilizadas por meio da internet).
Cenário desolador
Para compor um panorama complexo e envolvente para diversos tipos de leitores, Gomes recorre a acontecimentos da história oficial e seus protagonistas, e da chamada "pequena História", dando atenção a personagens coadjuvantes que podem explicar, de maneira mais complexa, o impacto e a ressonância dos 13 anos durante os quais d. João VI e sua corte estiveram no país.
Com o objetivo de explicar as razões pelas quais os Bragança zarparam rumo ao Brasil, Gomes dedica importantes e fascinantes capítulos que descrevem o quadro geopolítico na Europa da época. Fala tanto da ascensão de Napoleão e sua sede imperialista quanto do cenário desolador em que Portugal estava mergulhado na virada do século 19. Descreve o país como um lugar atrasado, provinciano, profundamente católico e de costas para as influências humanistas e do Iluminismo. E o retrata, sobretudo, como uma nação subalterna a interesses externos, um joguete nas mãos das potências França e Inglaterra, país que garantiu à corte portuguesa uma travessia segura, ainda que atribulada, do Oceano Atlântico.
A viagem, descrita em detalhes em 1808, foi infernal. Mais de 10 mil pessoas amontoadas em barcos apertados, nos quais faltavam comida, água e sobravam piolhos, ratos e baratas. Ao desembarcar no Brasil, a corte estava esfacelada. Empobrecida e ansiosa por obter sua pa ga pelo "sacrifício da viagem". Desse cenário, emerge um dom João complexo. Tímido, supersticioso, obeso e feio, o monarca está longe de ser retratado como um herói. Na verdade, era um fraco. Mas, segundo Gomes, teve o mérito de se cercar de pessoas relativamente competentes a quem soube delegar missões, tarefas que se julgava incapaz de desempenhar.
O leitor brasileiro, em pleno século 21, talvez tenha especial interesse de ler como, depois das festivas recepções no Rio de Janeiro, começa a nascer um estado perdulário, marcado pelo compadrio, pela troca desenfreada de favores e pela corrupção. Qualquer semelhança com o Brasil de hoje, portanto, não é mera coincidência. Estabelece-se uma espécie de relação simbiótica entre a corte, decadente e com recursos escassos, e a os donos do dinheiro local, ansiosos por ampliar tanto a fortuna como o poder e o prestígio.
É exemplar nesse processo a criação do primeiro Banco do Brasil. Nativos, como traficantes de escravos, comerciantes e fazendeiros compram ações da instituição financeira e são compensados com títulos de nobreza. Transformam-se em uma elite pouco ou nenhum pouco ou nada interessada nos rumos da nação
"Esses genes ruins", afirmam Gomes, derminaram muitos dos desdobramentos da história do país até hoje.
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