Amanda Rossi foi encontrada morta dentro do campus da Unopar| Foto: Roberto Custódio/JL

O autor

• Laurentino Gomes, natural de Maringá, tem 51 anos. Formou-se em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná e, em 30 anos de carreira, trabalhou como repórter e editor de algumas das principais publicações brasileiras, como o jornal O Estado de S. Paulo e a revista Veja. Atualmente, é diretor de uma unidade da Editora Abril, responsável por 23 revistas segmentadas.

• Entre as fontes não-convencionais às quais Gomes recorreu está o banco de dados genealógicos mantido pelos mórmons em Salt Lake City, no estado de Utah (EUA). Também recorreu a serviços de podcast no iTunes, que armazena aulas e conferências de grandes instituições de ensino como a Universidade da Calfórnia, em Berkeley.

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Números

52 mil cópias de 1808 já foram vendidas. O livro está sua quarta reimpressão.

10 anos foram necassários para que o jornalista Laurentino Gomes fizesse toda a pesquisa e escrevesse 1808.

O Brasil estará em festa ano que vem. Serão comemorados dois séculos da chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro. A efeméride, que já serve de tema (ou pretexto) para uma série de eventos e iniciativas no país, sobretudo na capital fluminense, deverá – ou pelo menos deveria – despertar entre nós uma ponta de curiosidade sobre os acontecimentos em torno da transferência da corte da rainha lusitana (e louca) d. Maria I e de seu filho, o príncipe-regente d. João VI, para os trópicos. Afinal de contas, trata-se de um fato histórico que mudou o destino da nação brasileira.

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Para quem deseja compreender melhor tanto as circunstâncias históricas quanto as conseqüências da passagem dos Bragança pelo Brasil no início do século 19, uma sugestão: leia 1808 (Planeta; 408 páginas; R$ 39,90), do jornalista paranaense Laurentino Gomes, livro que, desde seu lançamento, há pouco mais de um mês, ocupa os primeiros lugares da lista das obras de não-ficção mais vendidas no país.

Em entrevista ao Caderno G, por telefone, Gomes se disse surpreso com a repercussão positiva de 1808, que já está na quarta reimpressão. Ele conta que estimava vender 20 mil exemplares – uma ótima cifra para o magro mercado editorial brasileiro – em toda a "carreira" do livro. Atingou 52 mil cópias em poucas semanas.

O segredo desse sucesso até certo ponto inesperado? A dedicação do autor ao tema, que lhe consumiu dez anos de pesquisa, e a opção de tratar a tarefa como uma grande reportagem investigativa. Percebe-se o extremo cuidado na apuração dos fatos e a preocupação de Gomes em oferecer ao leitor um texto que conseguisse ser ao mesmo tempo informativo e reflexivo, fluente e sem cair nas armadilhas da abordagem acadêmica, que poderiam afastar o leitor mais leigo.

1808 é um daqueles livros que podem ser lidos de um fôlego só, que envolvem da primeira à última página. Talvez por conseguir ser uma espécie de manual claro, objetivo, mas nunca simplificador, de um episódio histórico que escapa à maioria dos brasileiros. Gomes busca temperar sua narrativa com bom humor e fina ironia sem esbarrar na paródia reducionista. Também não falta ao texto consistência, resultante do rigor do jornalista com as fontes, que vão desde a historiografia já publicada à documentação do período (fontes primárias), bancos de dados e até conteúdos de aulas ministradas em universidades norte-americanas, conseguidos por meio de podcasts (gravações disponibilizadas por meio da internet).

Cenário desolador

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Para compor um panorama complexo e envolvente para diversos tipos de leitores, Gomes recorre a acontecimentos da história oficial e seus protagonistas, e da chamada "pequena História", dando atenção a personagens coadjuvantes que podem explicar, de maneira mais complexa, o impacto e a ressonância dos 13 anos durante os quais d. João VI e sua corte estiveram no país.

Com o objetivo de explicar as razões pelas quais os Bragança zarparam rumo ao Brasil, Gomes dedica importantes – e fascinantes – capítulos que descrevem o quadro geopolítico na Europa da época. Fala tanto da ascensão de Napoleão e sua sede imperialista quanto do cenário desolador em que Portugal estava mergulhado na virada do século 19. Descreve o país como um lugar atrasado, provinciano, profundamente católico e de costas para as influências humanistas e do Iluminismo. E o retrata, sobretudo, como uma nação subalterna a interesses externos, um joguete nas mãos das potências França e Inglaterra, país que garantiu à corte portuguesa uma travessia segura, ainda que atribulada, do Oceano Atlântico.

A viagem, descrita em detalhes em 1808, foi infernal. Mais de 10 mil pessoas amontoadas em barcos apertados, nos quais faltavam comida, água e sobravam piolhos, ratos e baratas. Ao desembarcar no Brasil, a corte estava esfacelada. Empobrecida e ansiosa por obter sua pa ga pelo "sacrifício da viagem". Desse cenário, emerge um dom João complexo. Tímido, supersticioso, obeso e feio, o monarca está longe de ser retratado como um herói. Na verdade, era um fraco. Mas, segundo Gomes, teve o mérito de se cercar de pessoas relativamente competentes a quem soube delegar missões, tarefas que se julgava incapaz de desempenhar.

O leitor brasileiro, em pleno século 21, talvez tenha especial interesse de ler como, depois das festivas recepções no Rio de Janeiro, começa a nascer um estado perdulário, marcado pelo compadrio, pela troca desenfreada de favores e pela corrupção. Qualquer semelhança com o Brasil de hoje, portanto, não é mera coincidência. Estabelece-se uma espécie de relação simbiótica entre a corte, decadente e com recursos escassos, e a os donos do dinheiro local, ansiosos por ampliar tanto a fortuna como o poder e o prestígio.

É exemplar nesse processo a criação do primeiro Banco do Brasil. Nativos, como traficantes de escravos, comerciantes e fazendeiros compram ações da instituição financeira e são compensados com títulos de nobreza. Transformam-se em uma elite pouco ou nenhum pouco ou nada interessada nos rumos da nação

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"Esses genes ruins", afirmam Gomes, derminaram muitos dos desdobramentos da história do país até hoje.