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Ao pisar no palco para começar seu set com Brubeck, Bennett avisou: “Não ensaiamos, minha gente – portanto, boa sorte!” | Divulgação
Ao pisar no palco para começar seu set com Brubeck, Bennett avisou: “Não ensaiamos, minha gente – portanto, boa sorte!”| Foto: Divulgação

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  • CD -Bennett & Brubeck: The White House Sessions, Live 1962- Tony Bennett e Dave Brubeck. Sony Music. R$ 27,90. Jazz

Conhecido como "o som da surpresa", o jazz também costuma surpreender em outros aspectos. Um exemplo é a quantidade de gravações desaparecidas que voltaram à tona quando o CD substituiu o LP. Vários relançamentos no novo formato traziam "faixas-bônus": versões alternativas da mesma canção ou até canções inéditas. Além das surpresas, havia os mistérios. Um destes foi uma faixa encontrada entre as fitas do álbum Hamp and Getz, da Verve. Chamava-se "Headache", acrescia um trombonista ao quinteto original, e tornou-se uma dor de cabeça literal para os pesquisadores. Lionel Hampton negava a autoria do tema, que lhe foi atribuída. O trombonista-fantasma também nunca apareceu para reclamar os créditos – e talvez uns bons dólares de royalties. Mas nada se compara às gravações do quarteto de Dave Brubeck com o cantor Tony Bennett, feitas em 28 de agosto de 1962 aos pés do Monumento de Washington, nos jardins da Casa Branca. Apenas uma faixa, "That Old Black Magic", foi publicada em antologias. Passaram-se 50 anos e Brubeck aparentemente esqueceu o encontro, ou talvez não soubesse que foi gravado. Já Tony Bennett foi tão marcado pela ocasião que voltou a insistir com a Sony, em 2012, para que encontrasse as fitas. Depois de buscas intensivas, elas foram achadas, sem identificação, entre gravações de música clássica de 1962. Lançado em maio deste ano, Bennett/Brubeck: The White House Sessions, Live 1962 traz 62 minutos daquele encontro que foi praticamente o único entre os dois jazzistas. Brubeck e Bennett só voltariam a se encontrar no Festival de Jazz de Newport de 2009.

É bom atentar para o momento histórico. Na metade do segundo ano do seu mandato, John Kennedy enfrentava o auge da Guerra Fria: dois meses antes, visitara Berlim e dissera a famosa frase: "Ich bin ein Berliner/Sou um berlinense." Em outubro de 1962, ele enfrentava a crise dos mísseis de Cuba, que quase levaria a uma guerra nuclear entre URSS e EUA, deixando o planeta à beira da explosão. JFK estava mergulhado até o pescoço no lodaçal político do Vietnã e também a um ano e três meses do seu assassinato em Dallas. Apesar da tumultuada presidência – que duraria menos de três anos – ainda guardava seu carisma. Uma foto na página dupla central do encarte do CD mostra Kennedy nos jardins da Casa Branca falando a um público de universitários que haviam estagiado naquele verão na Casa Branca. O concerto daquela noite, no Sylvan Theater (teatro ao ar livre) foi dedicado a eles.

Brubeck e Bennett sobreviveram à sangrenta Batalha das Ardenas, na Segunda Guerra. No início dos anos 60, participavam do movimento dos direitos civis: Brubeck preferiu cancelar 23 concertos a substituir seu baixista afro-americano Eugene Wright; Bennett marcharia com Martin Luther King em Montgomery, Alabama.

Apesar de anunciado pelo disc-jóquei William B. Williams como "um dos mais talentosos novos músicos de jazz", Brubeck já era consagrado, o segundo jazzista a merecer uma capa da revista Time (antes dele, só Louis Armstrong; depois, só Duke Ellington, Thelonious Monk e Wynton Marsalis.) Ele abre o set com sua assinatura musical, "Take Five", composta pelo saxofonista Paul Desmond – aquele que "queria soar como um dry Martini..." Dave destaca a universalidade do jazz e toca três temas inspirados em tradições musicais de outras culturas: Oriente Médio ("Nomad"), Polônia (a chopiniana "Thank You/Djiekuje") e Espanha ("Castillian Blues").

Tony Bennett é anunciado como "um interprete vital e, aliás, um enigma para a Associação Médica Americana; ele deixou seu coração em São Francisco." O mestre de cerimônias alude ao sucesso de Bennett "I Left My Heart in San Francisco", lançado em fevereiro daquele ano, que ficaria por mais de um ano no topo das paradas. Acompanhado pelo Ralph Sharon Trio, ele canta cinco standards (entre eles "Just in Time", "Make Someone Happy" e "One for My Baby") e fecha o set com "San Francisco". Então, acompanhado por Brubeck, pelo baixista Eugene Wright e pelo baterista Joe Morello (Desmond ficou de fora porque não houve tempo para ensaio), Tony canta "Lullaby of Broadway", "Chicago", "That Old Black Magic" e "There Will Never Be Another You". A empatia é total. Talvez por isso, Bill Evans, que estava na plateia (garante Bennett), convidaria o cantor para dois álbuns históricos, gravados em 1975 e 77, só piano e voz.

Brubeck partiu em dezembro, aos 91. Bennett completa 87 anos em 3 de agosto e continua firme, longe de pensar em aposentadoria. Ao pisar no palco do Sylvan Theater para começar seu set com Brubeck, ele avisou: "Não ensaiamos, minha gente – portanto, boa sorte!" Talvez por isso mesmo seu encontro com Brubeck tenha sido tão vibrante e autêntico. Isso é jazz, minha gente!

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