Gênios carentes de Curitiba querem se sentir incluídos
Por: Guilherme Voitch
Muitos adolescentes da periferia andam em grupos de bairro, torcidas organizadas e outras associações, por vezes violentas, em busca de aceitação social. O grupo, nesse caso, garante identidade, tornando visíveis rapazes e moças que não haviam encontrado seu lugar no mundo.
A cena de Curitiba é gordinha e bem-nutrida, mas faz basicamente a mesma coisa. O clipe manifesto de "Não Estamos para Brincadeira" só escancara o que essa geração realmente é: autorreferencial, culturalmente domesticada, dona de um discurso bom-moço que não incomoda ninguém, nem sua vó, nem sua sobrinha de 14 anos.
Toda "cena", em todo lugar é, na verdade, um grande compadrio entre caras de banda, jornalistas culturais, donos de bares e meia dúzia de outros personagens mais ou menos ligados à produção cultural. O milagre acontece quando algum nome consegue emergir desse caldeirão de mediocridade pelo talento e se conectar com o mundo real, aquele distante do cenário hipster.
O que tem ocorrido em Curitiba é o oposto disso. Se criar exige certa dose de destruição renegar os ídolos mortos, rebelar-se contra a média e o oficialesco a cena atual quer é uma grande corrente pra frente em que cabe o Paulo Leminski (justo ele?), a Fundação Cultural de Curitiba e dono de bar no baixo São Francisco. Tudo embalado por aquele pop sem sal para se fazer de sensível na noite. A cena de Curitiba já tem um "manifesto", mas não tem uma, sequer uma grande canção, uma grande letra, uma grande melodia capaz de lhe tirar de sua zona de conforto. O importante aqui é que os gênios carentes se sintam todos incluídos, abraçados, amados e quentinhos. O importante em Curitiba é não se desgarrar da manada.
O compositor Alexandre França reuniu músicos curitibanos em uma canção que mapeia a cena local e presta tributos às suas referências de Octavio Camargo e Chico Mello a Paulo Leminski. "A Gente Não Tá De Brincadeira", interpretada pelo autor junto com Uyara Torrente e Luiz Felipe Leprevost, circula na internet desde a última terça-feira com um clipe que reúne trechos de 85 vídeos que retratam artistas, em sua maioria, de Curitiba. A direção, câmera e edição são de Vinícius Nisi.
França resume na canção a "história cultural" da música brasileira, do pós-guerra à diminuição do poder da mídia de massa e da indústria musical com o surgimento da internet. Cita artistas que marcaram a cultura da cidade e celebra a força de nomes atuais. "Eu quis falar dos monumentos que são construídos pela indústria cultural e dos mitos esquecidos", explica França, por telefone. "A gente é alimentado por pessoas que não são faladas pela mídia. E o papel da internet foi abrir as portas para elas."
Os novos tempos festejados na letra foram atestados pela interação do autor da canção com os ouvintes: pouco depois de divulgar o clipe, França debatia a música via Facebook com nomes da cena local entre citados e não citados pela letra. Entre as críticas negativas à letra está um suposto deslocamento da música curitibana da história da música brasileira apontado por Caio Marques, da banda veterana Bad Folks (leia outra opinião ao lado).
"Acho que o que gerou esses comentários adversos foi justamente o fato de que ela é um recorte. A maior responsabilidade na hora de fazer a canção foi justamente dar conta de mim, do meu olhar acerca do que vivi na cidade", diz França.
"Ela não dá conta da totalidade, mas, ainda assim, é celebrativa. Ela lida com potências. É um recorte sobre a potência de um tempo em Curitiba."Leprevost, convidado de França na gravação e um entusiasta da teorização sobre a cena local, comemora o debate. "É um ato poético do França que visa, ao meu ver, uma celebração da cena local com o intuito de inscrevê-la num panorama mais nacional", explica Leprevost. "Acho que a recepção é um sucesso, porque suscitou polêmica, diálogo."
A Gente Não Tá De Brincadeira
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