Bem-vindo aos anos 1980. Essa frase bem que poderia estar escrita na capa dos oito álbuns de estúdio da Legião Urbana. Ou então, um outro aviso: bem-vindo aos anos 1960. Afinal, o som do conjunto brasiliense sempre conversou, do início ao fim, com aquele tudo de bom que há no rock-and-roll, de Beatles a Rolling Stones.

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As melodias das canções, rápidas ou lentas, sempre foram e ainda são uma espécie de tributo ao legado de Lennon e McCartney. Os sutis Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá (e Renato Rocha durante a fase inicial) ajudaram a tecer o caldo sonoro que Renato Russo (1960-1996) usou como trampolim para enunciar tudo o que ele sentia e tinha necessidade de dizer.

É possível entender, mesmo que minimamente, a trajetória pessoal de Russo a partir do que ele escreveu nas letras de sua banda. Essa afirmação se confirma a partir de uma montagem cênica, Renato Russo, a Peça, na qual o ator Bruce Gomlevsky reconstitui os passos do cantor por meio dos textos das canções.

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Apesar de identificado como um porta-voz da geração que se deparou com a abertura política (pós-ditadura militar), Renato Russo, analisado a partir de algum distanciamento, é, na realidade, um autor de canções de e sobre o amor. O que ele experimentou, todos conhecemos, e isso diz respeito aos passos e descompassos do coração.

No álbum Dois, de 1986, a canção de abertura, "Daniel na Cova dos Leões" (que tem um dos arranjos de guitarra mais inusitados e marcantes do rock brasileiro), trata dos desencontros tão comuns e dolorosos: "Aquele gosto amargo do teu corpo/ Ficou na minha boca por mais tempo/ De amargo, então salgado ficou doce,/ Assim que o teu cheiro forte e lento/ Fez casa nos meus braços e ainda leve,/ Forte, cego e tenso, fez saber/ Que ainda era muito e muito pouco".

Mas a complexidade de Russo já se fazia presente na primeira letra do primeiro álbum. "Será" é um rock-and-roll para dançar e a letra evidencia dúvida a respeito do futuro, desejo de independência e a inquietação de quem olhava e, de tanto olhar, talvez tenha compreendido o estar tão passageiro do ser humano pelo mundo: "Brigar prá quê se é sem querer?/ Quem é que vai nos proteger?/ Será que vamos ter que responder/ Pelos erros a mais, eu e você".