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Música

Canhotos de repente

Trio de Câmara Brasileiro lança disco com composições de mestre paraibano do violão e se apresenta hoje em Curitiba

Pedro Amorim (esq.), Alessandro Valente e Caio Cezar: trio de cordas formado em 2003 relê obras de um dos mestres do violão no Brasil | Divulgação
Pedro Amorim (esq.), Alessandro Valente e Caio Cezar: trio de cordas formado em 2003 relê obras de um dos mestres do violão no Brasil (Foto: Divulgação)
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Foi em um almoço na casa da "tia Santana" que Caio Cezar reencontrou Francisco Soares de Souza, o Canhoto da Paraíba. Papo vai, papo vem, os conterrâneos lembraram de quando participavam das serestas de Olinda. Este tocava, esmiuçava seu violão para deleite daquele, de olhos vidrados em mãos virtuosas. Fim do almoço, e tem início um diálogo instrumental entre os dois, que agora já têm seus nomes entre os grandes do violão no Brasil. "Tocamos a tarde toda e a partir daí surgiu a ideia de fazermos um projeto de concertos em homenagem ao Canhoto", diz Caio Cezar.

A ideia foi reler as obras instrumentais do violinista e compositor Canhoto da Paraíba (1927-2008) sob as nuances de um trio de cordas. Então convidou Pedro Amorim (bandolim e violão tenor) e Alessandro Valente (cavaquinho e arranjos) – o Trio de Câmara Brasileiro – para o desafio, que já resultou no disco Saudade de Princesa, apresentado por aqui hoje à noite na Fnac Curitiba.

O repertório para o álbum começou a ser organizado há dez anos, ainda com a colaboração do próprio homenageado a partir de pesquisas que resgataram registros caseiros de sua música. Neste mesmo ano, Canhoto sofreu um AVC – acidente vascular cerebral –, e fi­­cou impossibilitado de tocar. Mas o trabalho não parou e Cezar formou, em 2003, o Trio de Câmara Brasileiro.

Saudade de Princesa traz 12 faixas, muito influenciadas pela cultura musical nordestina – baião, repente, xote, frevo e cateretê –, mas também pelo choro, com suas harmonias cromáticas características. Mas o principal feito, e aí mora o grande segredo, é a forma como lidava com o instrumento.

Para um canhoto tocar violão é necessário que as mãos troquem de papel – a direita se en­­carrega dos acordes e a esquerda da batida melódica –, mas é preciso também que as cordas do instrumento sejam invertidas. Canhoto ignorava a segunda parte da cartilha. "Isso in­­fluenciou sua composição. Ele teve que se adaptar e descobrir novos caminhos de formação dos acordes para sua forma invertida de tocar, bem como privilegiar certos caminhos melódicos que se prestavam mais a um canhoto que a um destro. Isso fez com que surgissem composições originalíssimas, com uma assinatura própria", comenta Cezar.

A manutenção da posição das cordas também credenciou Canhoto a criar uma técnica específica, que produzia sons agudos e peculiares quando o músico solava com o polegar e fazia bordões com os outros dedos.

Privilegiado pela pluralidade musical de três instrumentos ao invés de um, o Trio de Câmara Brasileiro se utiliza dos contrapontos sofisticados que marcam as composições do paraibano – que gravou três discos, foi homenageado por Paulinho da Viola no choro "Abraçando Chico Soares" e excursionou com o músico em 1977.

Mas as obras refletem, na opinião de Cezar, diferentes "Bra­­sis", dado o contato que Chico Soares – patrono do Trio –, teve com músicos da estirpe de Jacob do Bandolim e Radamés Gnattali. "Portanto, sua obra reflete as escolas de choro nordestina e carioca. Canhoto chegou a compor inclusive uma extraordinária bossa nova intitulada "Entrando na Bossa", presente no disco Saudade de Princesa," conta Cezar.

O nome da obra, selecionada pelo Projeto Pixinguinha, da Funarte, e patrocinado pelo Programa Petrobras Cultural, remete novamente à história íntima que liga Cezar e Ca­­nhoto. Já vivendo em uma ca­­deira de rodas por conta do AVC, Canhoto recebeu a visita do amigo. Mesmo debilitado e com dificuldade de falar, conseguiu se fazer entender. "Ele disse que estava com saudade de Princesa (Prin­­cesa Isabel, sertão da Pa­­raíba e cidade natal de Canhoto) e que gostaria de visitá-la", lembra o violonista. "Foi inevitável".

Serviço

Trio de Câmara Brasileiro. Fnac ParkShopping Barigüi (R. Prof. Pedro Viriato Parigot de Souza, 600, lj. 101), (41) 2141-2000. Dia 15, às 19h30. Entrada franca.

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