Tinha todos os ingredientes para ser uma receita indigesta: estrela do rock no auge da fama aproveita o sucesso para lançar um livro sobre "gastronomia". Mas, em vez de mais um prato-feito da indústria cultural, o livro "Mordidas sonoras", de Alex Kapranos, 35, é um quitute saboroso, daqueles ideais para beliscar fora de hora.

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Recém-lançado no Brasil pela editora Conrad, o diário gastronômico do vocalista do Franz Ferdinand leva o leitor por uma jornada entre testículos de touro e carne de baiacu em ritmo dos Stooges de Iggy Pop. Impossível não lembrar dos precursores do punk logo no início da "turnê gastronômica", quando o autor revela suas primeiras lembranças gustativas, escondendo tomates mastigados debaixo das almofadas e vomitando amendoins no tapete novo de sua mãe.

Iggy e companhia também fazem a trilha sonora das noites de sábado na época em que Kapranos trabalhava como chef de cozinha em um restaurante em Glasgow, na Escócia, antes de dar suas duas voltas e meia ao redor do mundo à frente de uma das bandas de rock mais bem-sucedidas dos anos 00, responsável por vender 5 milhões de cópias de seus dois álbuns.

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A incursão pelos cômodos da casa em um verão dos anos 70, ainda menino – "a melhor coisa na cozinha é a máquina de lavar roupa", cuja porta roxa convida a enxergar as coisas nesse tom – prende o leitor não pelo estômago e sim pelo tom divertido e despretensioso da narrativa.

Na seqüência, porém, a coisa vai ficando séria. Convidado a escrever uma coluna sobre comida no periódico inglês "The Guardian", o autor de hits como "Take me out" e "Do you want to" se lambuza na atividade de "gastroaventureiro".

O músico e glutão não se limita a descrever as iguarias que devora, como as ostras de Seattle ou o presunto de Zagreb, retratando com a habilidade de um cronista os lugares por onde passa - do restaurante em que filmaram o massacre samurai no filme "Kill Bill" às impressões sobre a sinalização das mesas na tradicional churrascaria carioca Porcão, na cidade onde "Jesus estica os braços no nevoeiro". "O facão do garçom fatia a camada externa, de aparência caramelada, revelando o vermelho profundo e suculento", afirma o ferdinand.

Ao final do livro, além de fome e muita vontade de viajar, o leitor tem à mão um pequeno guia de endereços dos principais lugares citados pelo autor. Vale também prestar atenção às ilustrações que permeiam cada capítulo, feitas pelo músico de apoio do Franz, Andrew Knowles.