Alaíde Costa: excluída da bossa nova, que ajudou a consolidar| Foto: Fotos: Arquivo pessoal
Áurea Martins: sonho de ver a música brasileira
Adyel Silva com o pai, o atleta olímpico Adhemar Ferreira da Silva:

Qual gênero musical melhor se adapta às vozes de 13 cantoras negras brasileiras? Pensou em samba? Não é exceção, mas muito se engana. O que há em comum entre Alaíde Costa e Áurea Martins, Zezé Motta e Leila Maria, Virgínia Rosa e Adyel Silva, para citar apenas algumas delas, é exatamente a recusa à batida do samba como única expressão musical genuína para quem possui a herança africana.

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Elas até podem ter samba no pé – umas mais do que as outras. Mas têm também jazz, bossa nova, MPB e rock nos ouvidos e gargantas. Uma ousadia nem sempre perdoada, como percebeu o historiador e jornalista Ricardo Santhiago, que ouviu suas narrativas e as reproduziu nas páginas do livro So­­listas Dissonantes: História (Oral) de Cantoras Negras.

Alaíde Costa, discreta, rompeu seu silêncio em uma entrevista ao jornal Valor Econômico, anos atrás. Dizia: "Fui, sim, vítima de racismo na bossa nova, tenho absoluta certeza. Não só por parte de produtores e empresários, que achavam que uma negra só devia cantar sambas e rebolar, como pelos próprios artistas, que nunca mais me procuraram." Com essas poucas frases, a cantora nascida em uma família pobre do bairro carioca do Méier que, a convite de João Gilberto, frequentou as rodas de violão nos apartamentos da zona sul e ajudou a consolidar o novo estilo contido que ali nascia, deu a pista do preconceito que atinge quem se encaixa em um estigma triplo: é mulher, é negra e almeja a música da "casa grande", em vez da batucada do morro.

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Uma marca comum entre as entrevistadas de Santhiago é que, em algum momento de suas carreiras, sentiram a pressão para se definirem como sambistas, cantando que "o sangue não nega", "batuque na cozinha sinhá não quer" ou qualquer outra ode identificada como "de negro", em oposição à "música de branco".

Santhiago sustenta que "existe uma barreira maior para cantoras negras que querem se afirmar em um contexto musical que não teve origem na cultura negra". E essa sua afirmação ecoa o que as 13 cantoras – Arícia Mess, Eliana Pittman, Graça Cunha, Ivete Souza, Izzy Gordon, Misty e Rosa Marya Colin completam a lista – pensam sobre suas próprias trajetórias. Não se admire quem não reconhece os nomes de muitas delas. A ideia central do livro é justamente essa: a discriminação lhes dificultou o caminho para o reconhecimento merecido.

É curioso que a arrolagem de nomes não partiu da mente do pesquisador. As cantoras contempladas com a narrativa de suas histórias em livro foram, antes, indicadas umas pelas outras, até que os nomes se repetissem sem novidade. O autor ouviu uma a uma, usando um método de pesquisa conhecido como história oral. É o contrário da historiografia tradicional, dependente de fontes escritas e calcada na objetividade e no distanciamento. A oralidade, por sua vez, se compraz de ser subjetiva. Deixa que o próprio personagem se conte, em contato direto (e portanto envolvimento) com o historiador. San­­thiago a defende: "O que faz a ri­­queza da história oral não é como as coisas acontecem, mas como quem testemunhou e protagonizou entende os fatos."

Adyel Silva se lembra de quando ganhou um piano da avó. A menina de 5 anos queria mesmo era um par de sapatilhas. Mas piano era coisa de "moça fina", como as das famílias para as quais a avó lavava roupa. Valia a pena se endividar para conceder igual chance à neta. Adyel cresceu, projetou sua voz cantando "I Feel Good" em um comercial de jeans que fez o maior sucesso, participou do mu­­sical Emoções Baratas, de José Pos­­si Neto, e só foi lançar seu primeiro disco, Chic da Silva, em 2003, duas décadas depois de iniciar sua carreira. Ainda hoje, so­­nha com o mercado internacional, já que, se é para ser considerada exótica aqui ou lá, no país de Ella Fitzgerald pelo menos será mais valorizada.

Leila Maria, a "jazzista de plantão", recusou um convite da gravadora Odeon para ser a "Clara Nunes da vez". "Mas eu nem sei cantar samba", argumentou, e a negociação teve fim. Tapa na cara maior foi ver Leila Pinheiro, a quem não identifica com o jazz, ser convidada a homenagear Billie Holiday, há alguns anos. "Pega­­ram, ainda por cima, o mú­­sico que tocava comigo, o Osmar Milito. Ele tocou com a Leila Pinheiro boa parte do repertório que fazíamos juntos. Acho absurdo, mas para os outros parece aceitável... Ina­­cei­­tável seria o oposto: se fosse uma homenagem a Elis Regina, nunca iriam me chamar."

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Os relatos delas fazem pensar nas tantas cantoras de tez clara que têm ganhado projeção na história recente da MPB, algumas verdadeiramente talentosas, mas outras não, enquanto essas solistas dissonantes, interessadas em cantar a música que quiserem sem serem ofuscadas pela cor da pele, esperam para ser notadas.

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Serviço

Solistas Dissonantes: História (Oral) de Cantoras Negras, de Ricardo Santhiago. Letra e Voz, 296 págs., R$ 40.