Dona Delcia: “Meu chimarrão de todo fim de tarde”.| Foto: Marcos Isbert

Revelação através dos próprios olhos

A relação do fotógrafo com o retratado no Projeto QuatroZeroDois aponta para um fenômeno de captura ao plano do detalhe e da revelação afetiva. "Lembro-me de pedir a um senhor chamado Oli, que trabalha em um sebo que frequento muito, para fazer o seu registro. Ele estranhou: ‘Mas logo eu?! Tão velho e tão cheio de marcas no rosto?’. Eu disse que são essas marcas que o constituem essencialmente, o distinguem e o tornam único. Ele abriu um sorriso tímido e me olhou transbordando felicidade, como se passasse a existir naquele momento. Mesmo sem intimidade com a câmera, ele não hesitou mais em aparecer", afirma Isbert.

Após a aproximação, a fotografia é imediatamente mostrada ao perfilado, que decide se se sente bem com ela ou não. Com a frase-legenda ocorre o mesmo. "A pessoa me conta uma história, uma passagem da vida e retiro dali a frase. No mesmo momento eu mostro para ela avaliar. Não sou quem invade, é o retratado que se revela para o público".

As foto-histórias de Isbert se enquadram naquilo que Philippe Dubois, pesquisador francês de estética, diz, em O Ato Fotográfico, sobre o sentido de fotografar: "A foto não é apenas uma imagem (o produto de uma técnica, de uma ação, o resultado de um fazer e de um saber-fazer, uma representação de papel), é também, em primeiro lugar, um verdadeiro ato icônico, um ato-imagem". Uma excursão ao interior do retrato.

CARREGANDO :)
Otávio:
Oli:
Gabriel:
Letícia:
Alma:
Valdormira:
Conceição:
Elander:
Carol:
Guilherme e Kleberson:
Carla:
Baiano:
Relber:
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Mestre na interpretação da luz e da cor, o pintor impressionista Pierre-Auguste Renoir (1841-1919) tinha certas reservas diante da fotografia, que surgia e se alastrava nas elites europeias. Acreditava que ela tornava a realidade uma mera caricatura, mecanicista. "Toda grande obra de arte é abstrata", dizia.

SLIDESHOW: Confira algumas imagens e legendas do projeto

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A partir do fim dos anos 1890, a fotografia começa a se popularizar sob o mote de que qualquer vivente poderia ser "fotógrafo". Mais de cem anos depois, em tempos de redes sociais e de compartilhamento, não há dúvidas em relação à ferramenta, mas sim sobre o processo de saturação de imagens e ausência de significados. Por isso, conseguir dar à fotografia o distanciamento da reprodução sem sentido tem sido um dos maiores desafios dos fotógrafos contemporâneos.No processo-motor de desvelamento através da potência fotográfica, o Projeto QuatroZeroDois, de Marcos Isbert, fotógrafo catarinense radicado em Curitiba, pode ser entendido como um trunfo. "Busco nos rostos de pessoas comuns das ruas da capital os traços que possam contar histórias", alega. "Então, depois do retrato, peço para que elas avaliem a fotografia e, se gostarem, façam uma legenda que as represente."Inspirado no Humans of New York, extenso catálogo norte-americano de pessoas consideradas invisíveis, que se deixam fotografar e contam suas short stories, o jovem fotógrafo de 20 anos, também estudante de Publicidade, anda por ruas movimentadas como um flâneur, à procura de pessoas que aceitem, através do retrato, narrar um pouco de suas vidas. Até o momento, ele realizou aproximadamente 50 retratos.O nome do projeto corresponde ao número do apartamento do idealizador e funciona como uma espécie de voto cabalístico, sendo também a quantidade de retratos que ele pretende fazer. Isbert aposta em uma nova percepção e fuga de nossa tendência à abstração dos traços alheios na velocidade da vida, sejam estas pessoas enxergadas como exóticas ou simplesmente pouco percebidas: "O QuatroZeroDois busca a valorização do indivíduo, de quem está na multidão ou apenas na correria da rotina", explica.

Mobgrafia e o futuro do registro

A galeria de Isbert é divulgada apenas no Instagram (@quatrozerodois) e os registros são feitos com smartphone, contemplando uma nova vertente da fotografia, a mobgrafia, que usa o celular como única plataforma de captura e edição da imagem.

O fotógrafo conta que trabalhar com o celular confere um viés mais despojado e inibe menos o retratado. Porém, ele compreende as ressalvas ao processo. "Entendo o posicionamento de muitos fotógrafos no que diz respeito aos limites técnicos do celular. Porém, é até clichê dizer: não é exclusivamente o equipamento que faz a imagem ser boa. As câmeras dos celulares atuais possuem uma qualidade impressionante de captura de imagem, tanto de cores, quanto de entrada de luz", rebate. "E nem todas as imagens podem dizer muito para todo mundo", completa.

A resistência às ferramentas mais modernas remonta à ideia de que a fotografia é, antes de qualquer coisa, um atestado de realidade, resultado imaculado diante dos seres e dos objetos do mundo – puro e árbitro da verdade. Fotografar, o ato de invocar um sistema expressivo, distante da parábola da reprodução do real, engloba fatores que ultrapassam necessariamente o uso de determinada câmera ou recurso. A proximidade essencial no sentido apontado pelo fotógrafo húngaro Robert Capa: "Se suas fotos não estão boas o suficiente, é porque você ainda não está perto o suficiente".

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