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Os grandes livros, assim como os grandes amores, são aqueles que nos fazem falar deles o tempo todo. E a maior prova de que Machado de Assis é o nosso escritor número um está no fato de que a cada dia surgem um comentário, uma versão, uma atualização para um livro seu. Capitu, a mais apaixonante de suas personagens, é uma verdadeira tentação para outros escritores. Que autor não quer fazer da moça dissimulada, de olhos de cigana, uma criação sua?

Capitu Memória Editada, que estréia hoje em Curitiba, é uma peça de teatro inspirada no livro e na personagem. Não é a história do começo ao fim, como seria de se imaginar. É algo mais ousado, mas, também, não é uma alucinação em forma de performance ou algo do gênero. É muito mais racional. É como se fosse um comentário do escritor e diretor Édson Bueno para o livro de Machado de Assis. Depois de ler e reler Dom Casmurro quase compulsivamente, ele acabou fazendo uma versão que é sua e, ao mesmo tempo, não é. Mais ou menos como um pintor que olhasse um quadro por muito tempo e decidisse reproduzi-lo depois, em casa, de memória, com alguns traços seus.

O projeto da peça nasceu na cabeça de Janja, uma atriz morena e de olhos oblíquos – obviamente, ela tinha a tentação de ser Capitu. "O livro conta a história do ponto de vista do Bentinho. Queria contar a história da forma que ela poderia ver", diz Janja. Com a proposta aprovada na Lei Municipal de Incentivo à Cultura, ela chamou outros atores e o diretor Édson Bueno, encarregado da adaptação. "Li o livro de fora a fora oito vezes, durante os dois meses de trabalho", diz o escritor. Sem contar todas as outras vezes em que leu só um capítulo ou um trecho para buscar informações.

Os 15 primeiros minutos da peça são propositadamente confusos. A montagem fala sobre as omissões do livro – a mais famosa é a falta de uma prova definitiva da traição de Capitu. E Bueno quis fazer ele também uma versão em que as lacunas fossem sendo preenchidas pelo público. "Dava para contar a história do começo ao fim, normal, mas eu não quis", conta o diretor. Só depois de um tempo é que a trama engata e a platéia pode reconhecer a famosa história dos dois adolescentes apaixonados que se casam e terminam afastados pelos ciúmes.

Mesmo assim, o espectador tem de ficar atento, porque há uma história paralela à de Dom Casmurro em cena. E cada ator acaba fazendo dois personagens ao mesmo tempo. Pode parecer arriscado. Mas não teria graça fazer Machado de Assis parecer tradicionalista. Afinal, num tempo em que os livros eram escritos para contar histórias simples de amor, ele inventou um jeito de escrever as memórias póstumas de um homem comum e uma tragédia brasileira com ares de Otelo. Machado é grande. E toda homenagem é válida.

* Serviço: Capitu Memória Editada. Teatro da Caixa (R. Cons. Laurindo, 280), (41) 3321-1999. Texto e direção de Edson Bueno. Com Janja, Regina Bastos, Luis Carlos Pazello, Elder Gattely e Marcelo Rodrigues. De quarta a sáb., às 21 horas, e domingo, às 20 horas. R$ 10 e R$ 5 (meia). Até 16 de outubro.

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