Nunca se falou tanto em meia-entrada quanto neste ano de 2007. Também, nunca foi tão fácil fraudá-la. É cada vez maior o número de jovens de classes média e alta, do Rio de Janeiro, que buscam manter o benefício da meia-entrada falsificando carteiras de estudante, forjando comprovantes de matrícula, ou até mesmo comprando documentos pelo Orkut. Para demonstrar como é simples fraudar a meia-entrada, a reportagem do Globo Online conseguiu obter uma carteira de estudante apresentando um comprovante de uma faculdade que sequer existe, sem encontrar qualquer dificuldade.
Também entrevistamos pessoas que fazem - ou já fizeram - carteiras de estudante ilegalmente, e a motivação de todos é a mesma: não aceitam pagar o preço cobrado pelos eventos culturais. Os produtores, por sua vez, alegam que os preços poderiam ser menores se não houvesse tanta gente pagando meia-entrada.
- O preço dos ingressos hoje é tão absurdo que eu me vejo obrigado a usar a carteira de estudante. Se eu não fizer isso, meu padrão de vida não vai me permitir ir ao cinema e, muito menos a shows, que hoje custam R$ 150,00. Para quem tem família, não dá. Eu lembro da época em que o cinema era acessível. Hoje, é proibitivo - diz o advogado E., 31 anos, formado desde 1999 e que admite usar carteiras de estudante fraudulentas desde 2005.
Para conseguir uma carteira de estudante, a reportagem do Globo Online fez uma solicitação via internet para a Jovem Pan, uma das empresas que têm convênio com a União Nacional dos Estudantes (UNE) e com a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) para a emissão dos documentos.
Para obter a carteira, é solicitado um comprovante de matrícula, uma foto 3x4, uma cópia de documento de identidade e o pagamento de uma taxa de R$ 33,50.
Nossa reportagem preparou, então, num simples editor de texto, um tosco "comprovante de matrícula" da fictícia Escola de Comunicação Marquês de Pombal. Uma semana depois do envio dos documentos solicitados, a carteira (oficial) chegou à redação.
Questionada, a Estepe, empresa responsável pelas carteiras emitidas através do convênio UNE-Jovem Pan, ressaltou que a prática da fraude, se comprovada, pode levar a um processo judicial.
- É muito antiético usar um comprovante falso para fazer carteira de estudante. É crime de estelionato e podemos processar você por isso. É igual a sair matando e não ser preso. Se você vai a um banco e leva um documento falso, você faz o que você quiser. Você é quem é o criminoso. O documento falsificado merece processo e denigre a imagem de empresas idôneas que querem prestar um bom serviço. Se você tivesse feito uma carteira sem comprovante, eu teria que me explicar. Mas se você usou um comprovante falso, isso é antiético e desonesto - argumentou a gerente de produto da Estepe, Rosecler Fonseca.
A carteirinha obtida pelo Globo Online foi inutilizada logo após a chegada à redação.
Com o crescimento das denúncias de fraude, os emissores vêm tentando, como podem, aumentar o rigor na emissão.
- Lógico que é possível fraudar, mas está ficando cada vez mais difícil porque estamos apertando o cerco. Estamos estudando a possibilidade de o estudante dar entrada no pedido na UNE e retirar a carteira na universidade. Mas só isso não resolve o problema. É preciso mudar a lei - argumenta o presidente da UNE, Gustavo Petta, que deixa o cargo em agosto.
O resultado, aos poucos, começa a ser sentido.
- No ano passado, fiz minha carteira no McDonald's com um boleto de pagamento antigo, que tinha mais de um ano. Agora, estão exigindo um comprovante e eu nem cheguei a tentar fazer. Hoje, quase não vou mais ao cinema e a shows, acho muito caro. Se o preço dos ingressos fosse mais baixo, eu nunca teria tirado a carteira falsa - conta o analista de sistemas E., de 29 anos.
A adulteração dos comprovantes de matrícula e boletos de mensalidade é a prática mais comum entre os fraudadores. O designer A., 25 anos, formado há três, é um dos que continuaram fazendo carteirinhas de estudante depois que saíram da faculdade. Sua técnica, porém, é mais "sofisticada": ele conta que muda a data do comprovante de matrícula original em um programa de edição de imagens, e emite a carteira na própria sede da UNE.
- Eu faço o falso virar o oficial. E, como minha carteira é da UNE, nunca tive problema - explica o falso estudante, que porta a mais aceita das carteirinhas.
No Orkut, também é possível comprar carteirinhas por até R$ 5,00. Na maioria dos casos, nenhum comprovante é solicitado: bastam os dados de identidade e uma foto.
- Tirei na internet uma carteira para o Bin Laden, uma para o Pateta e outra para o Fernandinho Beira-Mar. A gente não tem como controlar porque não tem como saber se são falsas ou não. Os emissores são legalizados - desabafa Maria Juçá, diretora do Circo Voador.
O promotor do Ministério Público do Rio de Janeiro, Rodrigo Terra, reforça que fraudar carteira de estudante é um crime tão grave quanto falsificar carteira de motorista ou de identidade.
- Cada vez mais pessoas vêm engrossando esse percentual de público que, na verdade, não tem direito à meia-entrada, mas que comete crime de estelionato. Porque a utilização de um documento falso para obter uma vantagem patrimonial indevida caracteriza um crime explica.
Quem lança mão desses artifícios sabe dos riscos que está correndo, mas isso não intimida a prática da fraude.
- Acho um absurdo que cobrem tanto pela inteira. Eu já ouvi várias vezes que os produtores cobram o preço do ingresso dobrado para quem não tem carteira de estudante. Mas eu entendo. Realmente, os produtores não têm como cobrir o custo de um evento sem saberem quanto vão receber. Eu falsifico como protesto para que mude a lei da meia-entrada - justifica o designer A..
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