A curiosidade em torno de Henrique VIII e seu rompimento com a Igreja Católica, já alimentada fantasticamente na série de tevê Os Tudors, ganha agora mais subsídio com Wolf Hall. O romance da inglesa Hilary Mantel, premiado com o Man Booker Prize de 2009, tem como linha condutora um personagem sem nenhuma gota de sangue nobre e muita astúcia.
Thomas Cromwell entrou para o serviço da coroa britânica como braço direito do cardeal Thomas Wolsey, conhecido como o homem que falhou na tentativa de obter de Roma a autorização para o divórcio de Henrique e Catarina de Aragão. A espanhola caíra em desgraça por não prover um herdeiro homem ao rei, numa época em que a sorte da procriação era atribuída às mulheres conceito que, ao lado do que pregava a superioridade da nobreza, é abordado no livro.
Por um processo legal, o rei passa a alegar que seu casamento foi incestuoso, já que Catarina desposara antes dele seu irmão, o falecido príncipe Artur se a união fora consumada ou não, fica o mistério para a eternidade.
A solução para garantir a sucessão no trono é um árduo processo de enlace com Ana Bolena, retratado mais como fruto da ambição da família dela do que propriamente da paixão de Henrique. Tudo isso é orquestrado por Cromwell.
O afastamento de Wolsey da chancelaria do reino abrira espaço para seu fiel escudeiro progredir na hierarquia real, graças a um misto de sagacidade, integridade, bom humor e muitos outros atributos com os quais a autora dota seu protagonista.
Ainda que ele usasse artifícios como chantagem e ameaças, sua moral é intocável do começo ao fim, incluindo um cuidado especial com crianças, jovens abandonados e cachorrinhas que ele sempre batizava de Bella. Entre suas memórias da dura infância, como filho de ferreiro, ele conserva alguns momentos especiais que o tornam certamente mais renascentista que medieval. Entre outras referências à ternura de Cromwell, o leitor encontrará a explicação para o título do livro.
Influência
Sua tendência protestante, no romance, influencia inclusive os rumos do rompimento de Henrique com o Papa, no episódio que daria origem à Igreja Anglicana.
Entre os muitos personagens "reformados" que surgem na trama, não deixa de causar estranheza que quase sempre sejam apresentados lendo alguma versão clandestina da Bíblia como se os adeptos do anglicanismo não fizessem nada além de ler as Escrituras.
Além desses, vários homens secularizados e outros simpatizantes da Inquisição como o chanceler Thomas More , formam inúmeros personagens, capazes de confundir o leitor. Para evitar isso, um organograma real e uma lista de personagens ocupam as páginas 9 a 14. Recomenda-se usá-los sempre que necessário.
O livro é fruto de muita pesquisa. A autora cita como uma boa fonte o livro Thomas Wolsey, Falecido Cardeal, sua Vida e Morte, que o intendente George Cavendish começou a escrever em 1554 e que hoje pode ser encontrado em texto integral na internet. Para Hilary, antes dela, tal obra já havia inspirado Shakespeare. GGG1/2
Serviço
Wolf Hall. Hilary Mantel. Tradução de Heloisa Mourão. Editora Record, 588 págs., R$ 59,90. Romance histórico.
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