Poucos artistas na cidade se permitem encenar textos de Paulo Leminski, e o Catatau, seu romance-monstro, assusta ainda mais. O experimentalismo da linguagem pede uma encenação também ousada, o que o diretor e compositor Octávio Camargo providenciou, mais textualmente do que nos demais recursos de seu “Catatau – A Justa Razão Aqui Delira”, em cartaz até 19 de julho.
Camargo chamou a atenção durante o último Festival de Teatro com seu projeto “Iliadahomero”, que está levando ao palco monólogos com atores e atrizes que estão dando conta da totalidade dos cantos da “Ilíada”.
O fato de ter escolhido agora o “Catatau” comprova seu interesse por obras de peso, sempre com projetos que duram décadas para amadurecer. Para manusear Leminski com a devida dose de homenagem, o diretor convocou o programador Guilherme Soares para um trabalho de “criptodramaturgia”. Não exatamente para “decodificar” os subtextos do poeta, e sim para criar a partir deles uma obra nova. Estão em cena cinco personagens, que, de acordo com Camargo, “compõem a mitologia central do Catatau”: o Ai Brasilienseis, que representa o espírito selvagem de fauna, flora e humanidade brasileiros; Cartesius, brincadeira com o pioneiro da razão moderna, René Descartes; Artchewski, nobre artilheiro polonês “exilado por convicções luteranas”, pela qual Leminski faz referência a suas raízes; X9, o dedo-duro da ditadura, e Occam, o “monstro perturbador da linguagem”.
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Leia a matéria completaSão os seres que surgem em “livros” elaborados a partir da coleta seletiva de trechos feita por Soares. O resultado são monólogos que as atrizes Claudete Pereira Jorge, Chiris Gomes e Helena Portela encenam como se estivessem conversando. A escolha de elenco feita a dedo resultou em atuações repletas de presença artística, especialmente nos olhares que elas destinam umas às outras.
Claudete e Chiris são veteranas dos palcos, quase sempre optando por trabalhos experimentais. E Helena mostra neste “Catatau” que veio mesmo para ficar, com marcante amadurecimento nos últimos anos.
Jogo de espelhos
Consoante com o texto em que se baseia e o interesse de Leminski pela poesia concreta, a montagem intercala cenas esparsas, às quais a figura das atrizes dá unidade. Algumas escolhas de encenação se destacam, como o posicionamento da plateia nas portas ao redor do palco do Teatro Novelas Curitibanas. A inevitável redução da visibilidade é compensada com o uso de quase uma dezena de espelhos, pelos quais é possível enxergar os olhares das atrizes pelos cantos da sala.
Em um dos momentos de maior inspiração cênica, as portas repletas de público são iluminadas e observadas pelas personagens como se fossem jaulas em que a exuberante fauna brasileira estaria sendo exibida ao personagem Renatus Cartesius.
Em outro, a personagem Eulália enfileira uma sequência de frases do “Catatau” começadas com “eu”, ao mesmo tempo em que ilumina seu rosto com uma lanterna diante de cada um dos espelhos.
De maneira geral, porém, cenário e figurino ainda poderão ser mais bem trabalhos na carreira da peça, já que a opção pela precariedade de recursos requer uma “compensação” na encenação – que ocorre, por exemplo, na cena em que uma funcionária da burocracia datilografa nomes ditados – dedados? – por outra. Fantásticas.
Mas em outros momentos, em que o resultado não encanta, o espectador poderá se perder no hermetismo do texto e partir para outras terras imaginárias.
Teatro Novelas Curitibanas (R. Pres. Carlos Cavalcanti, 1.222 – São Francisco), (41) 3321-3358. 5ª a dom., às 20h (até 19/7). Entrada franca. Classificação indicativa: não informada. É necessário agendar a participação.
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