John Huston não é unanimidade entre o público, tampouco entre a crítica. Os filmes que fazia eram o reflexo de sua natureza inquieta e aventureira que enxergava o cinema, antes de tudo, como uma arte de "contar histórias". Huston dizia que todo bom filme foi antes um bom roteiro, o que deve deixar muito crítico e cineasta moderno de cabelo arrepiado. Que o diga David Lynch, que resolveu não usar qualquer roteiro em seu novo longa Island Empire (resta ver se será um bom filme). Talvez o mais justo a se dizer sobre John Huston é que sua filmografia é uma montanha russa, assim como a sua vida, com os ápices nos deixando algumas obras-primas do cinema americano. Cinco de agosto será um bom dia para repensar essa herança porque foi nessa data que Huston nasceu, há cem anos.
O escritor e crítico americano James Agee, que trabalhou por muitos anos escrevendo resenhas de filmes para a revista Time e era amigo pessoal e roteirista de Huston, gostava de lembrar de um episódio da infância do cineasta para explicar os seus altos e baixos. Quando nasceu, Huston foi diagnosticado como portador de hipertrofia cardíaca. Aos 12 anos, achava que teria vida curta e resolveu aproveitá-la. Uma noite saiu pela janela de seu quarto e foi até um rio próximo, tirou a roupa e mergulhou. Gostou tanto que repetiu o feito algumas noites depois, mas, para o seu horror, foi puxado por uma correnteza forte. Teve certeza de que iria morrer, mas acabou cuspido em um jato de água para a outra parte de uma represa próxima. Ele estava bem e o diagnóstico médico, errado. A experiência não fez com que Huston se afastasse das águas, pelo contrário. Ele voltaria várias vezes para "cavalgar a cachoeira", como dizia.
Agee interpretou esse como um episódio que deixaria seqüelas permanentes no caráter do cineasta. "A ação e o uso mais vívido do momento presente são a sua salvação", escreveu o crítico. Depois da "cachoeira", seguiriam as paixões do boxe, da caça, dos cavalos, das apostas e, claro, dos filmes, que escrevia, dirigia e interpretava. Teve cinco esposas e inúmeros casos, "alguns mais memoráveis que os casamentos", dizia. Usou um filme apenas para dar vazão à sua obstinação de viajar e caçar. O longa-metragem em questão tornou-se o celebrado Uma Aventura na África (1951), que contou com Katharine Hepburn, deu um Oscar para Humphrey Bogart, outro para o roteiro de James Agee, e mais um para a direção de Huston. Clint Eastwood filmou essa história em Coração de Caçador, de 1990, a partir de um livro de Peter Viertel. É um dos melhores e mais esquecidos filmes de Eastwood, disponível apenas em VHS no Brasil, que monta um retrato curioso sobre Huston, seu status de aventureiro hollywoodiano, e a sua obsessão auto-destrutiva.
Huston dirigiu 47 filmes em 46 anos, adaptou e atuou em pelo menos outros 20. Apenas 18 estão disponíveis no mercado brasileiro de DVDs. Mais bem acabada é a edição especial do que é provavelmente seu melhor filme, O Tesouro de Sierra Madre, um estudo sobre a ganância e o egoísmo. Para a produção, o diretor escalou o seu pai Walter para um papel coajuvante premiado com Oscar. Faria o mesmo com sua filha, Anjelica Huston, em A Honra do Poderoso Prizzi, co-estrelado por Jack Nicholson e Kathleen Turner (apenas em VHS no Brasil).
A estréia no cinema, O Falcão Maltês, é um marco, considerado entre setores da crítica como o primeiro e o melhor filme noir (embora muitos prefiram The Big Sleep de Howard Hawks). O longa tinha tudo para dar errado: era a terceira refilmagem de mesma história que contava com um ator principal de segunda categoria, na época (Bogart). O resultado foi uma surpresa, principalmente pela capacidade de Huston em deixar a história a par de seu tempo. Foi dele, também, o último trabalho de Clark Gable, que morreu dias depois das filmagens de Os Desajustados, com Marilyn Monroe e Montgomery Clift.
Huston faleceu aos 81 anos, em 1987. O obituário do The New York Times o descreve como um bon vivant cujos melhores filmes contavam com roteiros "fluidos, rápidos e com tramas vibrantres" que lidavam com a vaidade, a avareza e sonhos não-correspondidos. Um cineasta que queria "transpor a essência interior da literatura para o filme com tensão dramática e visual".
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