
"Ó minha boa professora, nunca, nunca vou esquecê-la, mesmo quando eu for grande, vou lembrar sempre da senhora e irei encontrá-la entre seus alunos; e toda vez que passar perto de uma escola e ouvir a voz de uma professora, terei a impressão de ouvir sua voz e voltarei a pensar em sua escola, onde aprendi tantas coisas, onde vi a senhora tantas vezes doente e cansada, sempre compreensiva; desesperada, quando alguém pegava o jeito errado de escrever; trêmula, quando os inspetores nos examinavam; feliz, quando fazíamos boa figura sempre boa e amorosa feito uma mãe."
Trecho de Coração, de Edmondo de Amicis
Nas histórias dos livros infantojuvenis, Coração, do italiano Edmondo de Amicis, era, até sua republicação pela editora Cosac Naify, o último clássico esquecido. Publicado originalmente em 1896 e de cunho profundamente sentimental e moral, foi leitura obrigatória de diversas gerações e formou a cabeça de muitos dos nossos principais escritores, como Manuel Bandeira, Monteiro Lobato e Raul Pompeia esses dois últimos, claramente inspirados pelo romance escolar que conta a história do menino Enrico e seus colegas na Itália do fim do século 19.Nesse sentido, Coração é muito parecido com Cazuza, clássico lançado em 1938 pelo maranhense Viriato Correia. Assim como a obra brasileira, tocou o coração de muitos jovens até as décadas de 1960 e 1970, quando caiu num ostracismo explicado somente, talvez, pelas regras mercadológicas responsáveis pelos critérios de publicação. Mas a obra de Amicis chegou muito mais longe, tanto em termos geográficos quanto literários. É bem verdade que as ideias nacionalistas (de fundo levemente socialista) serviram muito bem à construção do sentimento de nação na Itália pós-unificada, mas sem uma prosa refinada e emotiva com a potencial formação de caráter juvenil, Coração não teria o sucesso quase imediato que se seguiu às suas muitas traduções em outros países.
O livro é dividido por dias durante um ano letivo inteiro, de outubro a julho. Para isso, Amicis propõe um divertido, porém complicado, jogo de abstração: deseja que imaginemos que o livro tivesse sido escrito por uma criança de 10 ou 11 anos conforme experimentava as experiências escolares. Após o fim do ano, o pai o ajuda a reescrever suas anotações e o garoto visita o texto mais uma vez já no ensino médio, quando acrescenta alguns juízos e valores de pessoa adulta.
Com isso, o escritor pretende se desculpar por qualquer olhar maduro sobre a mocidade e justificar a rica prosa com que nos apresenta as pessoas que cercam Enrico: sua antiga professora e seu novo professor; o valente e nobre Garrone; o alegre Coretti; o corcunda Nelli; o deformado Crossi; e os próprios pais do garoto, que lhe escrevem cartas com lições de moral sempre que sentem que o filho fez algo errado. A cada dia do ano, uma parábola, uma lição ou, no mínimo, um acontecimento a ser refletido no dia seguinte.
Moralismo
O tom que Amicis dá ao livro é mais visível nos contos mensais que o professor Perboni, aspirante a escritor, lê para seus alunos. Ali, lições cívicas de patriotismo, ética e coragem revelam a faceta militar do autor, empenhado em revelar princípios que nunca o deixaram mesmo depois de resolver abandonar o exército.
Talvez o excesso de doutrinamento seja a única ressalva ao livro. O acúmulo de sermões alguns até bem despropositados ante a educação contemporânea desvia o olhar de uma das melhores qualidades de Coração: a profundidade com que toca aspectos universais da alma humana, capaz de emocionar qualquer um que se disponha a lê-lo sem o preconceito de estar vendo uma cartilha de obrigações morais. A singeleza e a ternura em assuntos como a relação entre professores e alunos, o respeito aos pais e a lealdade aos amigos confere à obra uma essência imperecível, desde que a humanidade ainda tenha, como o título sugere, um coração. GGG1/2
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Serviço:Coração, de Edmondo de Amicis. Tradução de Nilson Moulin. Cosac Naify, 352 págs., Preço médio: R$ 39,90.
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