Mais fleumático dos Rolling Stones, o baterista Charlie Watts, de 71 anos (fez aniversário sábado) deve contar nos dedos das mãos as fotos que o mostram sorrindo. Mas há uma situação em que ele se diverte desbragadamente: é quando está fazendo shows com alguns amigos de improvisação que o acompanham há três anos, o grupo A, B, C & D of Boogie Woogie.
Charlie e seus amigos tocam exatamente isso: boogie woogie, um tipo de blues orientado pelo piano, acelerado, que se desenvolveu especialmente no Texas e no Sul norte-americano (teve expoentes em Fats Domino, Big Joe Turner e Little Richard). Em setembro de 2010, Charlie e sua banda fizeram uma residência tocando basicamente esse tipo de música no Duc des Lombards, um clube jazzístico de Paris, e agora estão lançando o disco que registra algumas daquelas apresentações. O lançamento do álbum The A, B, C & D of Boogie Woogie é da Eagle/ST2 e chega ao Brasil no dia 11.
Ocorre que os Stones estão completando 50 anos de estrada o grupo se apresentou pela primeira vez em 12 de julho de 1962, no mítico Marquee Club, em Londres. Mas Charlie pediu à sua assessoria que não fossem feitas perguntas sobre sua banda mais famosa. Ainda assim, respondeu a três delas, a contragosto. "Seria adorável voltar ao Brasil para tocar jazz", ele falou. "Lembro bem da última vez no Palladium, em São Paulo. O lugar era um tanto estranho, era um complexo de cinemas, não era?", perguntou.
Por causa de Charlie, os Stones só vão excursionar no ano que vem. Eles só consideram o ano de 2013, quando Charlie se juntou definitivamente ao grupo, como a data inaugural da banda. "Digamos que 2012 seja o ano da concepção, mas o nascimento é no ano seguinte", brincou Keith Richards. Já Ron Wood, em entrevista no ano passado, disse que a turnê do grupo começa quando Charlie terminar sua agenda de jazz.
Charlie Watts ama tanto o jazz que toca por amor à arte o que ganha, garantem empresários, não daria para pagar o feno de seus cavalos puro-sangue que cria numa fazenda na Inglaterra. Ama também o R&B e o blues, e não é o único na banda: quando os Stones começaram sua carreira, seu primeiro disco, gravado em 27 de outubro de 1962, tinha as seguintes canções: "Soon Forgotten", de Muddy Waters; "Close Together", de Jimmy Reed; e "You Cant Judge a Book", de Bo Diddley.
Ele já se comprometeu com uma temporada como "músico residente" no Iridium Club (na Broadway, em Nova York), entre o dia 29 deste mês e o dia 2 de julho. Vai tocar oito sets com a banda jazzística. Logo em seguida, também fará um tributo ao guitarrista Les Paul com o Les Paul Trio. Ele não é o único com sangue stoniano a excursionar neste ano: Mick Taylor também esteve no Iridium no mês que passou.
Seus companheiros na banda Boogie Woogie são sujeitos que se acostumaram à sombra, não têm protagonismo sozinhos. O mais proeminente deles, e também líder do grupo, é o pianista e cantor Ben Waters (primo de PJ Harvey). Waters, no ano passado, já tinha capitaneado um álbum com os Stones como convidados, o disco Boogie4Stu (também da ST2), em homenagem ao pianista Ian Stewart (outro ex-Rolling Stone de sua primeira fase). Além de Watts, Ron Wood, Bill Wyman, Keith Richards e Mick Jagger participam do álbum. Os outros colegas do quarteto anônimo são Axel Zwingenberger (piano também) e Dave Green (baixo).
Charlie Watts sofreu com um câncer de garganta em 2004, mas passou por tratamento de quimioterapia e se recuperou bem. Tem um estilo de vida discreto. Ironicamente, em 2005, morreu o primeiro baterista dos Stones, Carlo Little (codinome de Carl ONeil Little), aos 66 anos, de câncer no pulmão. Ele integrou brevemente o grupo, em seu início, em algumas turnês, mas preferiu trocar de banda, entrando para a Cyril Davies and The All Stars. Foi ele quem levou Watts para os Stones.