Opinião
Filme retrata ditador como um imbecil
Ao mesmo tempo em que é retratado como uma figura belicista em A Entrevista, o "líder supremo" da Coreia do Norte, Kim Jong-un, também aparece como um ditador mimado que sofre por não poder revelar seus gostos pessoais ao mundo.
No filme, ele evita assumir que adora Kate Perry ("Firework" toca no rádio do tanque de guerra que ele usa) e não bebe margarita por achar que vão tachá-lo de gay.
O ditador fictício também é dono de uma coleção de carros importados, Audi e Porsche entre eles, e joga basquete para passar o tempo.
Numa das muitas cenas em que aparece ao lado de Dave Skylark, ele dança entre mulheres de biquínis mínimos, enche a cara e fuma maconha. Há até um momento de beijo na boca "bromance" entre Kim e Skylark.
Sua representação, portanto, é a de um imbecil histérico que oprime o povo norte-coreano.
E a quem cabe salvar os norte-coreanos de seu ditador?
Numa história excessivamente etnocentrista, aos dois patetas norte-americanos, claro.
De verdade, Kim Jong-un não precisava perder tempo criticando A Entrevista.
O público já faria isso por ele.
Estreia
No último mês, divulgou-se que os computadores do estúdio Sony Pictures foram invadidos por hackers. Eles roubaram e disponibilizaram na internet dados privados e filmes inéditos, e ameaçaram explodir salas de cinema.
Erro
A chantagem fez a Sony cancelar o lançamento do filme, mas o presidente Barack Obama disse que o estúdio errou e que os EUA não devem ceder à censura. A Sony lançou A Entrevista na tarde do dia 24 na internet e, no dia 25, nos cinemas dos EUA.
Culpa
Investigações dos EUA acerca da ação dos hackers que atacaram a Sony indicaram que eles são da Coreia do Norte. Como era de se esperar, o país de Kim Jong-un rechaçou a acusação. Mas a guerra de palavras continua.
O próprio Kim Jong-un explica o problema: "Você sabe o que é mais destrutivo do que uma bomba nuclear? Palavras".
A questão, na verdade, não é posta exatamente pelo líder supremo da Coreia do Norte, mas por sua representação no filme A Entrevista. Nele, a frase do fictício Jong-un serve para traçar um imaginativo perfil de um ditador que se sentiria afetado pelo que os outros sempre teriam dito sobre ele, a começar pelo falecido pai, Kim Jong-il.
A realidade, se é que se pode ter certeza sobre alguma realidade nessa história, é que a trama de A Entrevista, uma comédia bem ao estilo dos outros filmes de Seth Rogen, caiu como uma bomba na já péssima imagem que a Coreia do Norte tem pelo mundo.
Com o filme enfim em cartaz nos EUA, é possível analisar se a chiadeira prévia da Coreia do Norte é justificável.
A Entrevista é uma típica história escrita por Seth Rogen (ele próprio assina a direção, em parceria com Evan Goldberg), com direito a piadas repetitivas sobre celebridades, indústria do cinema, uso de drogas e sexualidade. Há também uma dose forte de "bromance", a mistura de camaradagem e romance entre meninos que Rogen e a turma do produtor Judd Apatow (L igeiramente Grávidos) popularizaram no cinema.
A Entrevista gira em torno do produtor de tevê Aaron (interpretado por Rogen) e do jornalista Dave Skylark (James Franco), responsáveis por um programa de entrevistas com celebridades logo no início, há uma cena ótima em que o rapper Eminem assume ser gay e diz que fica "chocado que as pessoas não tenham reparado antes". Enquanto isso, Kim Jong-un ameaça uma guerra nuclear contra os EUA, fato que leva Aaron e Dave a pedir uma entrevista com o ditador.
O pedido é aceito, e eles viajam para a Coreia do Norte, mas levam consigo uma missão, dada por agentes da CIA, de assassinar o ditador. A história, então, transcorre a partir das surpresas e descobertas da dupla ao visitar o país e conhecer Jong-un; uma situação muito parecida com a de Top Secret, comédia cult de 1984 do trio David Zucker, Jim Abrahams e Jerry Zucker, em que um roqueiro vivido por Val Kilmer viaja para a Alemanha Oriental.
A Entrevista é totalmente centrado na imagem satírica e, por que não dizer?, preconceituosa que a mídia ocidental, EUA à frente, faz da Coreia do Norte e da família Kim. Não que Jong-un não faça por merecer as críticas que recebe.
Aos 31 anos, no cargo de líder supremo da Coreia do Norte desde dezembro de 2011, quando o pai morreu, ele já ameaçou ataques nucleares contra os EUA e a vizinha Coreia do Sul. Mas o filme de Seth Rogen sugere que o ditador seria visto por seus conterrâneos como um deus que "não tem ânus porque não precisa".
Ainda de acordo com A Entrevista, os norte-coreanos passariam fome, e o governo do país manteria campos de concentração para aprisionar todos os inimigos do regime Kim.
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