"Outro momento que me deixou de boca aberta foi o depoimenro da ex-mulher do deputado Valdemar Costa Neto, líder do PR e aliado do governo. Maria Christina Mendes Caldeira revelou que seu ex-marido perdera 300 mil dólares numa só noitada de cassino. Eles estavam nadando em dinheiro. Mesmo antes do mensalão, a política brasileira já tinha entrado em outra fase. Essa constatação reorientou meu trabalho. Sem grandes análises, a minha atuação, a partir daquele ano, já se concentrava em tornar a atmosfera minimamente respirável. Essa foi a tarefa mais difícil."
Fernando Gabeira, sobre seu trabalho como deputado durante o escândalo do mensalão.
É difícil resumir a figura e a vida pública de Fernando Gabeira que, aliás, completa 72 anos neste 17 de fevereiro a poucos papéis. Ao longo de sua trajetória, que já soma 50 anos somente de vida pública, ele não ficou conhecido por apenas um feito. O revolucionário que participou do sequestro do embaixador Charles Elbrick durante um dos períodos mais duros da ditadura militar adotou causas ecológicas, foi deputado e ativista. Nos últimos anos, candidato à prefeitura e ao governo do Rio de Janeiro, foi derrotado. Mais recentemente, também se especulou que concorrerá à presidência em 2014 (algo que nega). Esse caminho de cinco décadas é revisado por Gabeira em Onde Está Tudo Aquilo Agora? Minha Vida na Política, lançado pela Companhia das Letras. Gabeira publicou, ao voltar do exílio, o grande sucesso O Que É Isso Companheiro?, em que contava suas experiências daqueles anos.
Nascido na Avenida Garibaldi, 407, em Juiz de Fora, pelas mãos de uma parteira, os relatos da infância de Gabeira já davam sinais de que ele não seria um adulto muito afeito ao comum. Menino, reunia-se com os amigos do bairro e causava alguns problemas ao pai que, paciente, repreendia as travessuras sem tanto rigor.
Preocupados com a educação dos filhos, os pais de Gabeira, apesar das condições humildes, faziam questão de pagar boas escolas, onde ele, aliás, realizou o seu primeiro ato político: organizou um abaixo-assinado para tirar o professor de matemática, e convenceu os colegas a não voltarem atrás. Um pouco mais crescido, foi parar em um internato no interior de Minas Gerais, para que aprendesse a respeitar melhor os horários e regras, ganhasse um "corretivo". Não adiantou, já que o local era mais conhecido pela qualidade do ensino do que pela rigidez.
Gabeira conta também como se envolveu no jornalismo, fala sobre a experiência em veículos nos quais atuou em Belo Horizonte (onde disse ter ficado "de passagem") e no Rio (cidade onde queria se fixar desde jovem, o que conseguiu quando ocupou uma vaga no Jornal do Brasil). A entrada na clandestinidade é descrita com naturalidade, bem como os detalhes do casarão onde ele e seu grupo esconderam Elbrick, até o dia da prisão e das torturas (que não tomam mais de poucas linhas do livro). Sobre o exílio, disse que foi "felicidade no momento."
Mensalão
Se em grande parte dos capítulos a narração é centrada em fatos da vida de Gabeira que já são mais do que conhecidos, os últimos são os mais interessantes do livro, e ajudam a entender fatos recentes da história política brasileira. Ele faz uma reflexão sobre sua atuação como deputado (por 16 anos) e fala das campanhas para a prefeitura e o governo do Rio de Janeiro. Relata ainda as diferenças com o PT e o escândalo do mensalão, que o "entristecia" como muitos temas que ele disse serem negligenciados pelo então governo Lula, como o desmatamento da Amazônia e a morte de crianças guaranis-caiuás em Dourados episódio que ele diz ter ficado "engasgado na garganta." GGG
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