Aos 42 anos, o cineasta mexicano Carlos Reygadas é um diretor singular no cenário latino-americano. Admirador do cinema do russo Andrei Tarkovski (de Solaris e Andrei Rublev), diz, em entrevista concedida à Gazeta do Povo, por e-mail, preferir o silêncio e a potência das imagens à narrativa, a contar histórias. "São mais importantes na percepção da existência."
Por seu mais recente longa, o polêmico e semiautobiográfico Post Tenebras Lux (2012), Reygadas venceu o prêmio de melhor direção no Festival de Cannes do ano passado. Luz Silenciosa (2007) exibido neste sábado na Cinemateca com a presença do diretor e disponível no Brasil em DVD é seu filme mais conhecido por aqui. Prêmio do Júri em Cannes, o filme retrata um drama familiar em uma comunidade menonita no interior do México.
Em Curitiba neste fim de semana, onde ministra uma oficina de roteiro dentro do projeto Ficção Viva II, que recentemente trouxe à cidade a argentina Lucrecia Martel e o português Miguel Gomes, Reygadas fala um pouco sobre seu cinema e seu processo criativo. Leia a seguir.
Como é seu processo criativo no que diz respeito à elaboração e à escritura dos seus roteiros? Você costuma ter um ponto de partida?
Eu não levo muito tempo escrevendo um roteiro nem faço muitas versões. Em vez disso, penso durante meses em uma ideia principal para um filme (quero dizer, atmosferas, paisagem, tipo de personagens, condições de som), com uma cena principal servindo de força motriz, mas não elaboro um enredo. Então, passado algum tempo, como se as coisas amadurecessem, eu me sento e escrevo um roteiro técnico (uma série de tomadas consecutivas) em dois ou três dias. Daí, eu raramente mudo alguma coisa.
Assim, o ponto de partida é sempre a atmosfera geral do filme, mais uma situação em particular, que funciona como motor, com força para colocar o filme em movimento. Em Luz Silenciosa, essa máquina, esse motor, foi a morte resultante de uma dor emocional. A morte da esposa quando ela deixa o carro em que está com seu marido.
Diálogos parecem ter uma importância menor em seus filmes. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
São muito importantes. Cada palavra é pensada e considerada com cuidado. Elas são particularmente significativas, porque são escassas. As pessoas não não falam muito, como na maioria dos filmes, porque penso que elas não falam tanto assim na vida real. Eu também não gosto de narrar ou explicar o que está acontecendo por meio de diálogos, mas através das situações.
Por que, em Luz Silenciosa, o senhor decidiu fazer um filme sobre a comunidade mexicana no México, um microcosmos muito específico? Por que esse tema o interessou?
O interesse pelo fato de serem menonitas é tangencial. Eu queria compartilhar essa ideia de morte causada pela dor emocional e também falar da impossibilidade de ser incapaz de evitá-la. Essa comunidade que é parte do México, com o equivalente a 150 mil pessoas, me pareceu o lugar perfeito para essa situação que eu tinha em mente, e fazê-la tão universal quanto fosse possível, uma vez que eles são simplesmente pessoas, como outras. Nenhum deles tem uma profissão em particular, ou uma condição social ou econômica específica. Um pai, um marido, uma esposa, uma amante, filhos... nenhuma há a necessidade de categorizar. Assim, essa realidade aparentemente tão específica logo se torna totalmente aceitável e desimportante.
Como o senhor se percebe hoje na paisagem do cinema mexicano contemporâneo? O senhor é um respeitado autor fora de seu país, pela singularidade (e qualidade) de sua obra. Como seu trabalho é visto no seu país?
O que eu faço não é para consumo em massa, Portanto, no México, a resposta ao meu trabalho é semelhante à que obtenho no resto do mundo. Muitos apreciam o que eu faço em números absolutos, mas em termos porcentuais em relação ao resto do mercado, não é nada imenso. Eu me sinto grato por isso. O silêncio e a potência da imagem parecem ter um papel importante ou até mesmo mais relevante no seu cinema do que propriamente contar uma história. O senhor concorda com essa afirmação?
Sim, eu concordo. Silêncio e imagem são mais importantes na percepção da existência do que contar histórias. Acredito no cinema como uma arte da presença, assim como a música, a fotografia e a pintura. Literatura e teatro são da ordem da representação, quero dizer, da construção de imagens no cérebro (no teatro, pode ser uma transcrição). Mas o cinema não, é da ordem da imanência [conceito religioso e metafísico que defende a existência de um ser supremo e divino (ou força) dentro do mundo físico. O conceito costuma contrastar, ou mesmo coexistir com a ideia de transcendência].
No que o senhor está trabalhando no momento? Algum novo projeto?
Construindo um celeiro, plantando árvores e milho.
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