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Sutil Companhia apresentou ensaio de espetáculo praticamente pronto, em que o público real olha o público ficcional | Carol Sachs/Divulgação
Sutil Companhia apresentou ensaio de espetáculo praticamente pronto, em que o público real olha o público ficcional| Foto: Carol Sachs/Divulgação
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É sempre uma questão de expectativa. A sua, ao ler este texto sobre o ensaio de Cinema que a Sutil Companhia apresentou na Mostra Contemporânea, determina em grande parte a percepção crítica que se formará quando seus olhos chegarem à última linha. A que carrega ao cinema, ao teatro, a um concerto, igualmente pesa sobre a maneira como assimila cada obra. Será julgada boa porque correspondeu ao que se esperava dela? Rechaçada por se arriscar em outra direção? Talvez pareça vazia, mas por um defeito interno ou porque sua recusa prévia impediu que preenchesse as brechas sugeridas?

Faltou identificação?

Abstrações à parte, Cinema é uma experiência simples e original de colocar a plateia para enxergar a si mesma. Cada espectador ocupa uma das cadeiras dispostas em uma metade do palco do Guairinha. A outra metade é cenário: fileiras de poltronas vermelhas resgatadas de um cinema destruído. Os atores se distribuem por elas, como se assistissem a projeções de filmes sugeridas pela luz variante e o áudio original de películas como Manhattan (Woody Allen). Ao mesmo tempo, porém, o público real olha o público ficcional – e o contrário acontece.

Se a expectativa diante da peça for a de ver um drama mo­­derno povoado de personagens envolvidos em uma trama ou qualquer outra convenção do que deva ser o teatro, sairá o es­­pectador frustrado. O tempo em Cinema é de mais silêncio do que diálogo, afinal observa-se. Os atores representam uma galeria de tipos nada caricatos, tampouco delineados em histórias pessoais com contexto. São, antes de tudo, reações emotivas. Pense numa tela das mais conhecidas de Ed­­ward Hopper, "New York Movie" (1939), e no tanto de emoção que concentra aquela mulher de olhos baixos que se retirou para a lateral da sala de cinema.

É como a garota de Cinema que mantém os olhos fixos e fundos, a boca aberta, presa a uma cena que lhe toca tão profundamente que abandona as expressões faciais à gravidade. Nada se sabe sobre ela, mas quem tiver experimentado algum dia sensação semelhante está provocado a preencher a cena com sua própria bagagem emotiva. Efeito de atuações que visivelmente emergiram de num processo muito íntimo de sensibilização.

O espelhamento entre as plateias convida à identificação também pelo divertimento, desejo, susto, um casal que se beija ou briga, alguma bizarrice. Oscilam as situações como variam os gêneros cinematográficos – e o público pode reconhecer os filmes pelo som dos diálogos, mas é mera distração. O que está de fato em questão são os modos de ver a arte e de se deixar tomar por ela. E, se o diretor Felipe Hirsch em um momento não resiste a alfinetar a crítica, pondo em cena duas figuras de ar blasé mastigando capim, ri também de si mesmo, num discurso elaborado que conteria toda a explicação do significado da obra – mas falado em russo.

Cinema se abre a uma relação profundamente pessoal, sensível e menos solitária como deve ser a arte segundo foi concebida pelo diretor. Ao menos para quem se dispõe a vê-la, dispensando as expectativas que, em última instância, não são mais do que ansiedade e mecanismo de defesa contra o desconhecido. GGGGG

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