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Vídeo:| Foto: RPC TV

"Sabe o que é legal no cinema? No cinema, tu pode fazer o que tu quer." É através desta frase, dita diretamente para a câmera pelo personagem Everardo, vivido por Matheus Nachtergaele, que o cineasta pernambucano Cláudio Assis escancara sua proposta de cinema em Baixio das Bestas, premiada produção que estréia hoje em Curitiba.

Assis – diretor do também premiado Amarelo Manga – apresenta sua visão da sociedade e do ser humano em um filme que fala sobre a degradação e decadência de ambos. Para mostrar esse cenário, ele se baseia principalmente na violência, mostrada nas mais variadas formas – com destaque para a sexual.

A história – escrita por Hilton Lacerda (roteirista de Baile Perfumado), com base em argumento do próprio diretor – é ambientada na zona da mata pernambucana, no período de quatro semanas da colheita de cana-de-açúcar.

Na pequena comunidade local, vive Auxiliadora (a estreante Mariah Teixeira), menina de 16 anos explorada pelo avô Heitor (Fernando Teixeira), que pode ser também seu pai. É ela quem garante o sustento da casa. Heitor a obriga a lavar roupa para fora e também a leva para encontrar grupos de caminhoneiros. O avô despe ele próprio a menina e cobra para que os homens possam olhá-la nua, masturbando-se.

Cícero (Caio Blat), jovem da capital Recife, passa os fins de semana na fazenda dos pais na zona da mata. Ele se diverte ao lado de Everardo, seja vendo pedaços de filmes velhos no cinema abandonado da cidade ou molestando as prostitutas do prostíbulo local – entre elas, as personagens vividas por Dira Paes, Hermila Guedes e Marcélia Cartaxo. Cícero se sente atraído por Auxiliadora e parece odiar o que avô faz com ela.

Em sua estrutura, Baixio das Bestas chega a dialogar com o cinema de contemplação feito recentemente por Marcelo Gomes e Karim Aïnouz em filmes como Cinema, Aspirinas e Urubus e O Céu de Suely, ou mesmo Beto Brant em Cão sem Dono.

Mas a opção do diretor pernambucano não é de trazer o espectador para próximo da história vista na tela (como procuram fazer os cineastas citados), mas sim de agredi-lo o tempo inteiro. O recorte feito por Assis é cirúrgico e violento, com a justificativa de que as coisas acontecem assim mesmo na região apresentada – que na realidade representaria um pensamento mais amplo do que os ricos fazem com os pobres, do que o resto do Brasil faz com o Nordeste. O mundo não é preto e branco, mas "no cinema tu pode fazer o que tu quer".

Assis gosta de filmar muitas cenas de cima, para representar o "olhar de Deus", mas esse deus é ele mesmo, que não demonstra compaixão ou carinho por seus personagens, principalmente as femininas. Ao contrário, a câmera revela misoginia em três cenas pesadas de estupro com Hermila, Dira e Mariah.

Mas, tecnicamente, Assis comanda um excelente trabalho, que conta com a fotografia do mestre Walter Carvalho e um ótimo desempenho dos atores, principalmente Mariah Teixeira, Caio Blat, Dira Paes e Fernando Teixeira. Quando não se fixa apenas na violência pura e simples, o diretor retrata também interessantes paralelos sobre a situação do cinema (cenas da sala de cinema destruída), a exploração de uma cultura (seqüências sobre o maracatu) e a degradação da sociedade (a construção da fossa pelo personagem Maninho, vivido por Irandhir Santos). Goste-se ou não, não há como ficar impassível ao segundo longa de Cláudio Assis, e esta também é a função do bom cinema, incomodar (não irritar) a platéia, gerar debates e discussões. GGG1/2

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