Recém-divorciado, o vendedor de sapatos Richard Swersey (John Hawkes) ateia fogo na própria mão para chamar a atenção dos filhos. Seu garoto mais velho, Peter (Miles Thompson), de 14 anos, vira cobaia sexual de duas colegas espevitadas. Robby (Brandon Ratcliff), o caçula, de 7, troca mensagens bizarras com um estranho pela internet. Juntos ou separados, esse três "homens" são forçados a crescer na marra em Eu, Você e Todos Nós, premiada produção independente agora em DVD.
Os personagens centrais são masculinos, mas seu entorno é formado por personalidades femininas marcantes. Da decidida ex-mulher de Richard à vizinha de 10 anos precocemente obcecada pelo enxoval de seu casamento, aqui são as mulheres que conduzem os homens às experiências. Não à toa, o filme leva a assinatura de uma diretora, a também artista plástica Miranda July definitivamente, uma figura sem medo de se arriscar.
Vinda de uma bem-sucedida série de instalações audiovisuais, Miranda peitou o desafio de trocar os museus de arte contemporânea pelo set de um longa-metragem. Escreveu e reescreveu Eu, Você e Todos Nós inúmeras vezes antes de ele ser aprovado pelo laboratório de roteiros do Festival de Sundance. E batalhou muito, junto com a produtora Gina Kwon, por recursos para a realização do projeto, que acabaram vindo do canal britânico Channel Four e da emissora independente IFC (Independent Film Channel). A insistência valeu a pena: o filme recebeu o Caméra dOr em Cannes 2005 (prêmio concedido a diretores estreantes) e o troféu especial do júri no próprio Sundance, entre outros paparicos.
Miranda, que tinha 27 anos quando iniciou a empreitada (hoje tem 32), também atua no longa. Ela é Christine Jesperson, uma artista experimental que ganha a vida como motorista de idosos. Conhece Richard na sapataria e imediatamente se apaixona por ele. Mas o vendedor, que mal consegue manter um diálogo satisfatório com os filhos, não está pronto para engrenar uma nova relação. Ou melhor: acha que não está pronto, o que Christine vai fazer questão de provar o contrário.
As atuações de Richard e Miranda são impecáveis, porém quem rouba a cena mesmo são os atores-mirins. Até porque, no cinema, são raros os personagens infantis realmente complexos. E os garotos de Eu, Você e Todos Nós podem ser tudo, menos superficiais. Peter, Robby e companhia sofrem como gente grande, mas driblam os problemas com um desembaraço que só as crianças conseguem ter.
Até aí, pode-se pensar que a diretora fez mais uma daquelas produções independentes sobre meia dúzia de "adoráveis perdedores" cujas trajetórias sem cruzam a esmo. Não é o caso. Corajosa, Miranda canalizou para a história sua visão de mundo ao mesmo tempo romântica e melancólica. E o que poderia soar piegas resulta num filme falsamente ingênuo, que arranca poesia e até algumas risadas das dificuldades do dia-a-dia. Se transcender ao banal é tarefa para poucos, Miranda July já pode se considerar membro de um clube seleto. Guarde esse nome. GGGG
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