A questão do embranquecimento hollywoodiano pode até ter tomado a frente do lançamento de “A Grande Muralha”, mas o marco desta superprodução é a agressiva caminhada que a China tem empreendido para abocanhar o mercado audiovisual ocidental. Especialistas têm apostado que os asiáticos ultrapassam os Estados Unidos até 2020.
Cartão-postal desta investida, o filme, que estreou nesta quinta-feira (23) nos cinemas brasileiros, foi arquitetado milimetricamente para agradar ao público internacional, coisa que o cinema de Zhang Yimou, o diretor, já vinha fazendo desde a última década. São dele os elogiados “O Clã das Adagas Voadoras” (2004) e “Herói” (2002). “A Grande Muralha” tem o mesmo apelo visual encantador, mas falado quase que totalmente em inglês. O resultado não empolga tanto, mas não chega a ser tedioso.
50% de desconto para assinantes Gazeta do Povo nas salas selecionadas
Veja salas e horários no Guia Gazeta do Povo
Este também é o maior orçamento na história do cinema do país. Custou US$ 150 milhões e, a vontade, com uma equipe e um ponto de partida comum fora da China (uma das maravilhas do mundo), era unir Ocidente e Oriente. A história parte da lenda dos Tao Tei, monstros que atacam a China a cada 60 anos como punição para a ganância humana. A muralha, segundo a lenda, teria sido construída para esse fim: impedir a entrada dos seres famintos.
Para mastigar essa trama para leigos em cultura asiática e transformá-lo em um filme de ‘monstro’ reconhecível a qualquer cultura, apostaram em roteiristas e em um protagonista ocidentais. Matt Damon foi atacado por ter tomado o papel de um ator asiático justamente em uma produção de pretensões tão específicas. “Quando penso em ‘embranquecimento’, lembro de Chuck Connors interpretando Geronimo (um índio, em “Sangue de Apache”), algo inaceitável. Eu realmente tento ter sensibilidade a esse assunto. Não quero ser nunca acusado disso e sentir que essas acusações têm sentido”, disse em entrevista à Reuters.
Além do muro
É bem verdade que a reunião utópica entre as culturas poderia ser limada sem prejuízo algum à história. Damon poderia ser substituído por Jet Li, por exemplo, no posto de salvador da pátria. Mas não é este o ponto. Escalar um ator tão boa praça – e de boa vendagem – como Damon é um passo até que óbvio para essa abertura . “Da maneira como o mercado está agora, nós não podemos fazer um filme de sucesso internacional sozinhos. Se não tivéssemos Matt Damon, se não falássemos inglês, então seria apenas um filme puramente chinês”, resume Zhang em entrevista citada pelo The New York Times.
Os esforços de entrosamento foram equivalentes. Damon se mudou com a família para a China durante seis meses. Uma centena de tradutores trabalhou diariamente nos sets de filmagem, já que nem toda a equipe chinesa falava inglês. Caso do próprio Zhang, que orientou dessa maneira seu elenco internacional: Damon, Pedro Pascal (de “Narcos” e “Game of Thrones”) e Willem Dafoe.
Hollywood já tem tentado agradar às plateias da China gradualmente, com personagens e referências aqui e ali. Mas o caminho inverso é bem mais direto. O grupo Dalian Wanda comprou o Legendary Entertainment no ano passado. Além de “A Grande Muralha”, a empresa, fundada em 2005 e parceira da Warner Bross, lançou filmes como a trilogia “Batman” de Christopher Nolan, além de “Inception” e “Interestelar” do mesmo diretor, e “Pacific Rim”, de Guillermo del Toro.
O mesmo grupo chinês também tem agora o controle de grande parte dos exibidores nos Estados Unidos, após comprar, no ano passado, a rede Carmike Cinemas, que se juntou à AMC Theatres, adquirida em 2012, como mais um empreendimento deles.
A história
Damon e Pascal fazem parte de um grupo de mercenários europeus que chega à China durante a dinastia Song (entre o século X e XIII) em busca de pólvora. São únicos sobreviventes do ataque de uma criatura assustadora. Capturados pelo exército que guarda a muralha, descobrem que eles estão se preparando para uma batalha suicida contra os Tao Tei. Arqueiros, soldados, acrobatas (unidade só de mulheres) dividem-se em cores dentro do exército, o que lembra, para os ocidentais, um pouco a divisão de séries japonesas do gênero tokusatsu. Changeman, Flashman e Power Rangers. Habilidoso com o arco, o personagem de Damon se une à batalha, liderada pela comandante Lin Mae (Tian Jing, que está em “Kong: A Ilha da Caveira”).
Deixe sua opinião