Samuel L. Jackson e Alexander Skarsgård: Homem-Aranha sem camisa| Foto: Jonathan Olley/Warner Bros. Pictures

Há uma segunda selva na tela em “A Lenda de Tarzan”, além daquela que vemos a princípio, povoada por aldeões congoleses, colonos belgas predatórios, animais de computação gráfica e cipós em lugares convenientes, que permitem que o herói do filme balance de árvore em árvore como se fosse um Homem-Aranha sem camisa.

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Essa outra selva é a mistura de estilos cinematográficos que brotam como erva daninha de todos os cantos entre os esforços exagerados – ainda que inegavelmente divertidos – que o filme faz para repaginar o homem selvagem oitocentista criado por Edgar Rice Burroughs (quem faz o papel é um Alexander Skarsgård soturno e musculoso) para um público acostumado aos X-Men e os Vingadores.

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O caso em questão: a escolha de elenco com Christopher Waltz e Samuel L. Jackson, respectivamente, como o vilão Leon Rom, um emissário da Bélgica no Congo, e George Washington Williams, um personagem baseado, vagamente, na figura afro-americana histórica real responsável por expor os crimes dos colonos belgas na África. Apesar de ambos serem grandes atores, essa combinação, a sofisticação amoral que Waltz ostenta como ninguém, com o jeito imponente e a bravata de cara durão que são a marca registrada de Jackson, dá ao filme uns ares de Quentin Tarantino, o que acaba sendo infeliz, porque não casam muito bem com sua estética retrô por natureza.

Mas isso se dá, vejam bem, sem a violência extrema que caracteriza a obra de Tarantino, pois, apesar de muita gente morrer em “Tarzan”, temos aqui um filme de ação praticamente sem sangue. Numa cena em que alguém é devorado por crocodilos (sob comando de Tarzan, no melhor estilo Dr. Dolittle), mal aparece uma única gota vermelha nas águas agitadas.

De Harry Potter a Tarzan

O diretor David Yates, após uma sequência de quatro filmes de sucesso da série “Harry Potter”, consegue saltar admiravelmente entre estilos – apesar de alguns deslizes –, não sem a ajuda, é claro, da inclusão de uma das figuras dos filmes de “Potter”, como Jim Broadbent, num papel pequeno como um político corrupto. A ação gira em torno da luta de Tarzan para resgatar sua esposa Jane (Margot Robbie) de Rom, que está manipulando os dois como peões em sua campanha para escravizar o Congo e roubar seus diamantes, e o tratamento dado pelo diretor demonstra sua habilidade costumeira com efeitos especiais, ainda que nem sempre com atores humanos.

Desta vez, Yates direciona sua mágica para a espécie ficcional de gorilas criados através de efeitos digitais – chamados aqui, como na obra de Burroughs, pelo nome de Mangani – que criaram o órfão Tarzan desde a infância. Foram particularmente bem feitas as sequências em que vemos o irmão primata e pavio curto de Tarzan, Akut (Matt Cross, numa roupa de captura de movimentos).

Passeio no crocodilo

Infelizmente, o roteiro de autoria de Adam Cozad (“Operação Sombra – Jack Ryan”) e Craig Brewer (“Footloose: Ritmo Contagiante”) não está à altura dos visuais, com diálogos que parecem às vezes ser de um anacronismo incômodo e uma narrativa que dá a impressão de que depende demais de flashbacks para progredir. É aqui que as habilidades de Yates como contador de histórias acabam deixando a desejar.

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O enredo – que salta da infância de Tarzan na África para sua vida doméstica de aristocrata inglês para a campanha violenta de Rom contra a cruzada armada antiescravista de Williams – peca pelo excesso. E a imposição de ideais progressistas do século 21 em cima de uma história cheia de estereótipos ultrapassados da África “exótica”, como um branco passeando com um crocodilo na coleira, gera desconforto.

Mas é temporada de lançamentos agora, uma época perfeita até mesmo para bobagens como um Tarzan recauchutado – sobretudo quando ele já vem com o aviso de que é uma “Lenda” no título – que se destaca no meio do mar atual de heróis de ação intercambiáveis. Assim como o Lorde Greystoke – o nome “civilizado” de Tarzan –, as relações do filme com o mundo moderno são da boca para fora. Seu coração pertence ao passado.