Quem foi mesmo que ganhou o Oscar de melhor atriz do ano? Ah, sim, Brie Larson, por “O Quarto de Jack”. Coisas da Academia - o garoto era melhor que ela, e dava o diapasão para sua interpretação, mas sequer foi lembrado (exceto por ela, ao agradecer o prêmio). Esqueça Brie. As melhores atrizes do ano passado vieram de outros filmes, outras cinematografias. Podem muito bem ter sido Sonia Braga, de “Aquarius”, Adriana Urarte, de “Julieta”, o filme mediterrâneo (grego?) de Pedro Almodóvar. A grande dúvida para o cinéfilo, neste comecinho de 2017, é a francesa Isabelle Huppert. Se ela for realmente a maior de todas, será por “Elle”, de Paul Verhoeven, ou por “O Que Está por Vir”, o presente natalino (estreou dia 22 e segue em cartaz em Curitiba) de Mia Hansen-Love?
Mia é casada com o também diretor Olivier Assayas, pai de sua filha Vicky. Em fevereiro, Mia recebeu o Urso de Prata de direção no Festival de Berlim, justamente por “O Que Está por Vir”. O júri presidido por Meryl Streep pode ter recebido muitas críticas, mas não por esse prêmio, especificamente. Três meses mais tarde, em Cannes, outro júri, presidido por George ‘Mad Max’ Miller, dividiu seu prêmio de mise-en-scène (direção) entre dois autores, e um deles foi justamente o marido de Mia, Assayas, por “Personal Shopper”, com Kristen Stewart. Dessa vez o prêmio foi mais contestado. Houve até vaia.
Superficialmente, existem similaridades entre as personagens de Isabelle Huppert nos filmes de Mia e Verhoeven. Em ambos, de cara, ela passa por experiências fortes, que mudam sua vida. O estupro, em “Elle”. Uma separação, em “O Que Está por Vir”. Nos dois filmes, a mãe de Isabelle tem um papel importante. E, em ambos, há um gato - no filme de Mia, é gata, Pandora. As semelhanças param por aí. Isabelle é Nathalie em “O Que Está por Vir”. É professora de filosofia, uma intelectual. Leva uma existência ajustada, aparentemente feliz. Mas um dia o marido lhe diz que está saindo com outra, uma mulher mais jovem. “Por que você está me contando isso?”, pergunta Nathalie, aparentemente fria e distante.
Caminhos diferentes
Ela não chora, não chantageia, não tenta segurá-lo. A estuprada de “Elle” também não tem uma reação emocional, mas o filme de Verhoeven segue por outro caminho. O de Mia constrói-se no tempo, como toda a obra da diretora. Em geral, são filmes sobre jovens. O anterior, Éden, era sobre um DJ, o mesmo Roman Kolinka que faz, agora, Fabien. É a primeira vez que Mia filma uma personagem mais velha. Não idosa - uma mulher madura. O marido, a mãe, a filha - que lhe dá um neto -, o movimento da vida segue para todos. Para Nathalie será uma (re)descoberta. O que está por vir, o futuro = começar de novo. Dito assim parece banal, mas não é. Nada da tradicional história em três atos de Hollywood. Na Berlinale, na coletiva de seu (belo) filme, Mia contou que escreveu “O Que Está por Vir” para Isabelle. E a atriz de alguma forma interferiu no roteiro? “Soube que ela estava escrevendo um papel para mim, mas não sei em que momento isso começou a se desenhar na mente de Mia. Não nos encontramos e, quando ela me enviou o roteiro, já estava pronto. Mais que das situações e da personagem, gostei dos diálogos.”
Outros autores gostam de escrever sobre o que desconhecem. Eu, não. De certa forma, todos os meus filmes terminam sendo autobiográficos porque me inspiro nas pessoas e coisas que conheço. Vem daí a veracidade. Tenho esse sentimento - existe tanta gente maravilhosa no mundo. O que dizem, fazem. Acho que meus filmes são maneiras de eternizar o que me inspira.
Quando escrevem para um ator ou atriz, ou quando escolhem o intérprete, alguns autores (muitos?) ajustam a escrita à sua embocadura. Não Mia - e não para Isabelle Huppert. “Sabia que ela conseguiria dizer os diálogos da forma como os escrevi”, disse a diretora na coletiva. “Mas é isso que fazem os atores,. não?”, complementou a grande Isabelle, e é verdade. Mia também disse que se inspirou em sua mãe, uma professora de filosofia, ao escrever “O Que Está por Vir”. “Criei-me numa casa em que conceitos filosóficos faziam parte do café da manhã”, brincou. E disse mais: “Outros autores gostam de escrever sobre o que desconhecem. Eu, não. De certa forma, todos os meus filmes terminam sendo autobiográficos porque me inspiro nas pessoas e coisas que conheço. Vem daí a veracidade. Tenho esse sentimento - existe tanta gente maravilhosa no mundo. O que dizem, fazem. Acho que meus filmes são maneiras de eternizar o que me inspira.”
Num determinado momento de “O Que Está por Vir”, Nathalie se aproxima de um ex-aluno e protegido, Fabien. Poderiam ter um affair, mas não é exatamente isso que interessa a Mia. Nathalie segue Fabien numa casa nas montanhas - onde Pandora desaparece, e há uma caça à gata, mas essa é outra história, na qual não é preciso entrar. O importante é que Nathalie vai se sentir deslocada no meio desses jovens com discursos radicais. O filme é sobre ela, que se movimenta muito, fala muito. É tanto movimento que o filme dá a impressão de não parar nunca. E, apesar das conversas, o importante, muitas vezes, é o que não se diz, ou fica subentendido. Nathalie não convida o ex para uma refeição festiva, não entende a filha, fragilizada após o parto e que talvez quisesse, no hospital, um momento de união familiar. O filme move-se, mas não no sentido da ação. “Foi uma loucura ser filmada pela câmera fluida de Mia”, confessou Isabelle. O júri deve ter pensado a mesma coisa ao lhe atribuir o prêmio de direção. Ah, sim. Mia achava importante obter a aprovação da mãe para seu roteiro. Ela só exigiu uma mudança - a gata, na realidade, era Desdêmona. Mamãe pediu que Mia mudasse o nome para proteger a privacidade da gata.
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