Se você um dia já pagou multa por não ter rebobinado uma fita VHS antes de devolvê-la à locadora, a notícia pode ter lhe dado um golpe nostálgico.
Na semana passada, a empresa japonesa Funai Eletric, última fabricante ativa dos aparelhos de videocassete, produziu sua derradeira unidade em uma fábrica na China.
Terminava assim a agonia de uma tecnologia que surgiu há mais de quarenta anos para revolucionar a maneira das pessoas se relacionarem com o cinema – e que muitos julgavam morta.
A decisão Funai foi justificada por forte queda nas vendas. A empresa chegou a vender 15 milhões de aparelhos por ano. Em 2015, as vendas de apenas 750 mil forçaram o fim do negócio.
Capaz de gravar e reproduzir imagens em fitas magnéticas acondicionadas em caixas plásticas (cassetes) de fácil manuseio, o VHS (ou Vídeo Home System) foi o formato mais popular da verdadeira revolução no entretenimento caseiro no mundo inteiro.
Para o presidente da rede Cinepólis , Luiz Gonzaga Assis de Luca, o fim da produção dos aparelhos VHS é “a declaração final de morte de um momento em que todos queriam ser especialistas em filmes”.
Impacto estonteante
Segundo Luca, quando os vídeos caseiros surgiram em meados da década de 1970, o impacto foi “estonteante”. A partir da consolidação do formato VHS, o videocassete ficou mais barato e os grandes estúdios colocaram seus catálogos à disposição e as pessoas iam às locadoras de vídeo e saiam com “baciadas” de filmes.
“Havia um amplo mercado, com consumidores ávidos para ver filmes, desde aquele filme que o espectador, por alguma razão, não tivera condições de ver até aqueles dos quais nunca ouvira falar.”
Para o presidente da rede Cinepólis , Luiz Gonzaga Assis de Luca, o fim da produção dos aparelhos VHS é “a declaração final de morte de um momento em que todos queriam ser especialistas em filmes”.
“Havia um amplo mercado em crescimento, com consumidores ávidos para ver filmes. Todo tipo de filme, desde aquele filme que o espectador, por alguma razão, não tivera condições de ver até aqueles que nunca ouvira falar”.
Escola de cineastas
O final dos anos 1980 foi o período mais profícuo para os usuários do videocassete. O hábito foi tão difundido que esta cultura ajudou a forjar os anos seguintes da indústria do cinema.
“O período em que o videocassete dominou o mercado foi o que melhor formou plateias e, indiretamente, cineastas que conhecem as obras de valor e muitas vezes, reproduzem cenas e situações de filmes que viram”.
O jornalista americano Tom Roston escreveu um livro sobre esta influência. Ainda sem versão em português, em “I Lost It At the Video Store: A Filmmakers’ Oral History of a Vanished Era” o autor escuta diretores como Quentin Tarantino, Kevin Smith e Darren Aronofsky para mostrar que as locadoras foram para os cineastas o mesmo que as lojas de livro foram para escritores no começo do século 20.
Como morrem as tecnologias?
Nos anos 1990, a tecnologia do VHS foi vencida pelo formato DVD. A distribuição de fitas VHS foi descontinuada no Brasil em 2008, com o fechamento da última distribuidora do formato. Um ano antes, a empresa Panasonic tinha fabricado o último aparelho.
Segundo o professor Ivan Marques, do Programa de Pós-Graduação de História das Ciências e das Técnicas da UFRJ, a tecnologia do videocassete desapareceu pela mesma lógica que determina como “surgem e somem” as tecnologias.
Segundo Marques, a história mostra que toda a tecnologia, sejam produtos ou ideias, é constituída por três elementos.
O primeiro elemento é o “natural” que tem relação com a forma e a funcionalidade dos aparelhos e ideias. Outro é o “coletivo”: as pessoas que usam e disseminam o uso destas tecnologias. Em terceiro vem a “narrativa”, a ideia disseminada de que o uso (aí incluída a propaganda) daquela tecnologia é importante (aí
“No caso do videocassete, esta rede heterogênea se desfez nos três pontos. Quando um ou mais elementos se modifica, a rede tenta primeiro se adaptar, mas tende a desaparecer”.
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