Os roteiristas por trás do mais recente sucesso da Disney, “Zootopia – Essa Cidade é o Bicho”, parecem ter o superpoder de ver o futuro. Sua nova aventura em CG chegou num momento tão certo para refletir a atual disputa presidencial que chega a assustar. É como se o pessoal da Disney soubesse já de antemão quanta baixaria e amargura veríamos nessa época de campanha.
Em outras palavras, é possível que “Zootopia” seja o melhor filme político do ano.
É claro que essa história peluda funciona perfeitamente como filme para crianças, desde o design dos personagens, perfeito para brinquedos, até os trocadilhos e os temas comuns a muitos filmes de animação – incluindo a trindade emocional padrão de autofortalecimento, auto-identidade e autoconfiança. Na verdade, é justo por ser capaz de entreter os pequenos – que continuam alegremente no escuro quanto à metanarrativa adulta – que “Zootopia” deverá logo somar ainda mais alguns números à sua estreia recorde de U$75 milhões em solo nacional (a maior de todos os tempos para a Disney, batendo até mesmo “Frozen”).
No entanto, sob a aparência inocente da classificação livre, temos um comentário político mordaz. O filme é inteiro uma história de detetive, inclusive aludindo visualmente ao gênero do filme noir. E, como muitos filmes desse tipo, ele gira em torno de se descobrir a verdade por trás do suspeito mais improvável. É claro que a publicidade do filme o representa como se fosse uma comédia de dupla de policiais, de modo que faz você suspeitar que a corrupção institucionalizada da história esteja em meio ao alto escalão da organização policial, no melhor estilo Clint Eastwood em “Rota Suicida” (1977). Mas, em 2016, “Zootopia” insere o seu gênio do mal, em vez disso, no cerne do poder executivo.
Sim, o bandido é um político. E o que parece ser o comentário moderno do filme é que o vilão fomenta a divisão entre a população para o seu favor, ganhando poder e vantagens políticas. Na verdade, uma mensagem perspicaz que o filme passa é: Se você irritar o eleitorado o suficiente através da divisão e das falsas alegações de crise, você consegue fazer surgir a crença de que é o líder certo para resolver esses problemas. Em outras palavras: quando se acende o barril de pólvora público da manipulação emocional, o medo é o pavio – e a retórica política, o fósforo aceso.
Ao final da história, temos uma noção clara de o porquê de essa metrópole antropomórfica ser, metaforicamente, um verdadeiro zoológico governamental.
Agora, vale a pena apontar que “Zootopia” toca em elementos sociopolíticos “menores”, como os programas trabalhistas do governo (há um de “inclusão de mamíferos”) e a inaptidão da burocracia estatal (a equipe do departamento de trânsito formada de bichos-preguiça é uma homenagem consciente ao esquete clássico “Slow Talkers” da famosa dupla de comediantes Bob & Ray).
Mas é a última reviravolta, que envolve um golpista com sede de poder servindo como operador político de duas caras, que joga a maior bomba no final da campanha. Quando os pronunciamentos das conferências de imprensa do filme começam a assumir uma semelhança sinistra com as manchetes reais da TV – conforme os líderes de Zootopia e sua mídia repetitiva espalham medo na população para que temam seus vizinhos por eles serem “diferentes” –, não é só o surgimento de uma raposa [em alusão ao canal de notícias Fox News] ou um lobo [referência ao comentarista Wolf Blitzer] que fazem com que o público de “Zootopia” se lembre dos noticiários 24h da TV a cabo.
Feche os olhos, aliás, e dá para jurar que o que você está ouvindo é a ladainha apocalíptica desavergonhada de, bem... qualquer debate presidencial norte-americano hoje.
“Zootopia” funciona muito bem como só mais um filme bonitinho de CG com criaturinhas peludas. É simplesmente encantador.
Mas, quando o vilão animal no fim tenta passar a perna no público, o argumento político parece feito sob medida para 2016 – e a sátira de “Zootopia” parece ter sido elaborada a partir do próprio material do discurso de campanha contemporâneo.
Vale a pena apontar que “Zootopia” toca em elementos sociopolíticos “menores”, como os programas trabalhistas do governo do EUA (há um de “inclusão de mamíferos”) e a inaptidão da burocracia estatal.
Mas é a última reviravolta, que envolve um golpista com sede de poder servindo como operador político de duas caras, que joga a maior bomba no final da campanha.
Quando os pronunciamentos das conferências de imprensa do filme começam a assumir uma semelhança sinistra com as manchetes reais da TV – conforme os líderes de Zootopia e sua mídia repetitiva espalham medo na população para que temam seus vizinhos por eles serem “diferentes” –, não é só o surgimento de uma raposa [em alusão ao canal de notícias Fox News] ou um lobo [referência ao comentarista Wolf Blitzer] que fazem com que o público de “Zootopia” se lembre dos noticiários 24h da TV a cabo.
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