A atual menina dos olhos da Agência Nacional de Cinema (Ancine) é um número: 143. Esta foi a quantidade de longas-metragens brasileiros lançados em salas de cinema em 2016; dez anos antes, em 2006, esse total era de menos da metade: 71 filmes. Um recorde histórico, segundo o órgão, que fez o levantamento com base em dados disponíveis a partir da Retomada, em 1995. A marca foi revelada no fim de janeiro, num relatório preparado pela Ancine que oferece ainda outros números animadores referentes às bilheterias do ano passado. Ao todo, 184,3 milhões de espectadores foram ao cinema, gerando uma renda bruta de R$ 2,6 bilhões.
Os filmes brasileiros foram responsáveis por 30,4 milhões de bilhetes vendidos, o maior patamar desde a década de 1990. Um dos destaques foi “Minha Mãe é uma Peça 2”, que, mesmo tendo sido lançado no fim de dezembro, se tornou a segunda obra brasileira mais vista de 2016, atrás apenas de “Os Dez Mandamentos” - embora tenha ultrapassado em renda o longa religioso, cujo preço médio do ingresso era mais baixo.
Por trás desses números, no entanto, existe uma realidade não tão animadora: muitos filmes chegam às salas de cinema, mas não são vistos. Da lista de 143 obras, apenas 22 tiveram público acima de 100 mil. Atrás disso, quatro foram vistas por mais de 50 mil pessoas. Mais de 90 venderam menos de 10 mil bilhetes, e 43 filmes registraram um público inferior a mil. O último longa da lista, o documentário “Henry Kayath: o Homem e seu Tempo”, de Regina Jeha, vendeu 18 ingressos.
“O fato de 143 filmes brasileiros terem sido lançados no ano passado tem uma significação que chega ser embaraçosa: são fruto de uma política de financiamentos sem eixo ou estratégia”, diz o diretor Domingos Oliveira.
Ele exemplifica com um filme seu, o elogiado “BR 716”, que saiu do Festival de Gramado com os Kikitos de melhor filme, diretor, atriz coadjuvante (Glauce Guima) e trilha sonora - mas que teve uma performance fraca quando estreou comercialmente. Estrelado por Caio Blat e Sophie Charlotte, “BR 716” teve público de 8.953 após a sua estreia, em novembro, em 11 salas de cinema.
“Recebemos, desde o primeiro dia, elogios inacreditáveis. No entanto, o filme é um estranho fracasso. Lotou as pouquíssimas salas em que esteve disputando espaço com os outros 142 porque não encontrou nenhuma distribuidora interessada, ainda que de pequeno porte, resultando numa bilheteria baixa. Lançamos o filme nós mesmos, perdemos dinheiro. O fato de ‘BR 716’ não ser um produto autossustentável é o que chamo de escândalo”, completa Domingos.
A batalha dos independentes
Diretores, produtores e a própria Ancine chamam a atenção para a importância de distribuidoras e exibidoras apostarem mais em títulos independentes e autorais - o grupo que enfrenta mais dificuldade de ganhar espaço nas salas de cinema e atrair público.
“É preciso ter mais distribuidoras diversificadas para buscar filmes fora da caixa”, diz o diretor-presidente da Ancine, Manoel Rangel. “E também exibidores que apostem na diversidade e deem mais permanência aos filmes brasileiros. Mas estamos falando de um setor privado. A Ancine não é exibidora nem distribuidora. Os brasileiros precisam se dispor a abrir salas com esse perfil.”
Frédérique Bredin, presidente do Centro Nacional do Cinema e da Imagem Animada (CNC), espécie de Ancine francesa, lembra que se trata de “um problema geral de todos os países que têm uma produção variada, com filmes que precisam de tempo para encontrar o seu público”. E cita as medidas adotadas pela França, algumas semelhantes às do Brasil, para solucionar o impasse:
“Nós temos um forte apoio ao distribuidor, que cuida da promoção e do marketing do filme. Temos também o compromisso dos exibidores de não ocupar mais de 30% das salas com um mesmo blockbuster, como ‘Star Wars’.”
Rangel também lembra da existência de políticas que visam melhorar o panorama, como a Cota de Tela, que estabelece um número mínimo de filmes nacionais que complexos de cinema têm que exibir durante um ano. A sócia fundadora da distribuidora Vitrine Filmes, Silvia Cruz, reforça que, nos últimos anos, houve uma proliferação de distribuidoras com perfis diferentes graças ao surgimento de políticas públicas voltadas ao setor, como linhas do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), que investem nesse tipo de empresa. A Vitrine foi fundada justamente com o objetivo de lançar filmes de perfis alternativos que, embora muitas vezes premiados, encontravam pouco espaço no mercado exibidor.
“Se pensarmos só na janela de cinema, nosso investimento seria considerado de risco. Mas também levamos em conta distribuição na TV fechada e em vídeo sob demanda (VOD, na sigla em inglês). Não somos uma empresa com muito lucro, mas estamos consolidados”, afirma Silvia, que recentemente inaugurou o projeto Sessão Vitrine Petrobras, com o intuito de levar obras autorais brasileiras a 21 cidades para serem exibidas em horários fixos em salas de projeção. “No caso desse projeto, por termos patrocínio, conseguimos reduzir o preço dos ingressos. O preço é um fator importante na hora de o espectador decidir assistir a filmes pouco óbvios.”
Sob demanda
Fazendo coro com a fala de Silvia estão os produtores e realizadores para quem os serviços de VOD não podem ser ignorados na hora de medir o sucesso de um filme.
“O número de 143 lançamentos é bom. O cinema é o lugar sacro e desejado para todos nós”, lembra a produtora Vania Catani, da Bananeira Filmes. “Mas é importante também reconhecer as mudanças na maneira com que as pessoas hoje veem os filmes. Acho que essa quantidade seria até maior se fossem computados os lançamentos em outras janelas, e há muitas telas. Temos que ocupá-las também.”
Segundo Alessandro Maluf, diretor de produtos de vídeo da América Móvil, à qual pertence a Net, metade dos 50 filmes (incluindo estrangeiros) lançados no fim de 2016 no Now, o serviço de VOD da empresa, não passou pelos cinemas: “É uma janela cuja tecnologia cresceu e sobre a qual agora é possível rentabilizar.”
O balanço da Ancine só foca os filmes lançados comercialmente em salas de cinema, e alguns mecanismos de fomento à produção cinematográfica exigem que as obras sejam projetadas, num primeiro momento, na tela grande. Manoel Rangel, no entanto, rebate. Afirma que há incentivos sem essa exigência, que ele chama de uma “não questão”. Mas lembra que o órgão tem o dever de reforçar políticas para ampliar o público de outras janelas.
“Estamos vivendo um momento de alta concentração no mercado de distribuição e exibição”, diz Rangel, que deve deixar a Ancine nos próximos meses. “Ou seja, a bilheteria abriu um fosso entre grandes e pequenos lançamentos, onde há poucos filmes que fazem muita bilheteria e alguns que fazem pouca. No meio, há um buraco. É preciso enxergar esse dado para construirmos políticas públicas.”
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