Finalmente nos cinemas, “Chatô, o Rei do Brasil” pode antecipar no espectador pelo menos duas reações. A primeira é um olhar condescendente diante da produção que levou quase 20 anos para ser finalizada, em meio a um imbróglio que enredou seu diretor, Guilherme Fontes, em acusações de mau uso de recursos públicos. A segunda faz esse olhar ser rigoroso, buscando no filme os problemas impressos pela conturbada realização.
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Chatô, porém, não demora a desarmar quem diante dele se posta esperando confirmar expectativas. Fontes apresenta um filme anacrônico no panorama atual da produção cinematográfica brasileira, mas no sentido positivo que essa palavra empresta a algo que, sob a aparente falta de sintonia com seu tempo, mostra-se ousado e até moderno.
Na cinebiografia de um personagem histórico, Fontes regula as amarras da veracidade de episódios e personagens que orbitam ao redor do paraibano Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello (1892 – 1968). É, ao mesmo tempo, fiel ao livro biográfico de Fernando Morais e anárquico numa transposição essencialmente cinematográfica.
Em sua fidelidade histórica, o filme descreve a saga do polêmico Chatô, dono de um império midiático que o colocou à frente de um poder paralelo no país, preservando uma espinha narrativa que dá plena dimensão da importância do biografado – dá conta da sua importância para a cultura e a imprensa nacionais e da relação promíscua que teve com o presidente Getúlio Vargas, amigo e inimigo ao sabor das circunstâncias (modelo de relação que persiste ainda hoje no país).
Em seu flerte com a comédia, o longa, por seu tempo de maturação, não foi contaminado pela indigência que o gênero alcançou no país, a despeito de seu sucesso com o público – as referências de Fontes passam pelas velhas chanchadas e ganham temperos de anarquia tropicalista.
Chatô justifica ser chamado de uma – para os padrões nacionais – superprodução. O orçamento estimado de R$ 12 milhões é visível no numeroso elenco e na caprichada reconstituição de época, com cenários e figurinos que reproduzem bem o Brasil da primeira metade do século 20.
O trabalho do elenco, diga-se, é notável. Não deixa de ser curioso como, em registros feitos em diferentes momentos de sua então iniciante carreira, Marco Ricca tenha uma performance memorável como Chatô, digna do ator maduro que é hoje.
Se um Getúlio composto por Paulo Betti flerta com a caricatura, o Chatô de Ricca é exuberante: combinação de homem erudito com jagunço violento, cosmopolita e nacionalista, generoso e inescrupuloso, visionário e conservador, o personagem irrompe na tela menos como um fictício Cidadão Kane e mais como um tributo de Fontes a Glauber Rocha, pensador que com seus filmes, rompantes verborrágicos e contradições também fez o Brasil colocar o pé no primeiro mundo.
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