Se o cinema pode funcionar também como termômetro da sociedade em que está inserido, os filmes de Pablo Trapero são um bom exemplo disso. Homenageado na edição deste ano do Festival Internacional de Cinema da Bienal de Curitiba, o argentino terá sete de seus oito longas-metragens exibidos durante o evento, que começa nesta quinta-feira (5) e segue até o próximo dia 14.
“O Clã”, vencedor do prêmio de melhor direção no Festival Internacional de Cinema de Veneza em 2014 e maior sucesso de bilheteria da história da Argentina, abre os serviços na noite de hoje (três sessões às 20h). O filme é baseado na história real da gangue dos Puccio, que nos anos 1980 tinha por hábito sequestrar pessoas ricas e matá-las após o recebimento do resgate.
Expoente do chamado Novo Cinema Argentino, movimento que emergiu no país vizinho em meados da década de 1990, Trapero fez do coração de sua cinematografia as transformações pelas quais passou a Argentina a partir dessa época – a crise econômica, o kirchnerismo – e principalmente os reflexos disso no dia a dia do país.
Desde seu primeiro longa-metragem, “Mundo Grua” (1999), Trapero se mostrou um cineasta “pé no chão”, interessado nas coisas do povo e nos abismos sociais da Argentina contemporânea – abordagem cara também ao cinema brasileiro a partir dos anos 2000. Espécie de releitura tardia do neorrealismo italiano, Trapero tece um retrato cru do mundo operário neste filme, recebido com entusiasmo no Festival Internacional de Veneza de 1999.
Em “Do Outro Lado da Lei” (2002), o diretor foge do que poderia ser um cinema apenas engajado, e discute dramas existenciais através de personagens poderosos imersos numa situação limite intrínseca à Argentina. O filme conta a história de Zapa, jovem marginal que se torna policial por força das circunstâncias, borrando linhas morais e subvertendo a ética.
“O Clã”, de Pablo Trapero. Três sessões no Espaço Itaú (Shopping Crystal), às 20h. Ingressos devem ser retirados com uma hora de antecedência no local (entrada franca).
O festival acontece entre os dias 5 e 14 de novembro em nove espaços culturais da cidade. Programação completa aqui.
“Família Rodante” (2004) é sua primeira incursão pela comédia. Destaca-se aqui o cinema “do pequeno gesto” e personagens tão caricatos quanto memoráveis. A história é uma espécie de “Little Miss Sunshine” portenha: acompanhada de toda a família, uma matriarca retorna a sua cidade natal para uma festa de casamento. Isso num velho Chevrolet Viking ano 1956 – divertidíssimo.
O movimento também é tema de “Nascido e Criado” (2006), embora em um contexto diferente. A comédia cede lugar ao drama psicológico, acompanhando a trajetória do protagonista Santiago, que perde sua estabilidade emocional quando provoca um acidente automobilístico fatal. Ele migra para uma região inóspita da Patagônia, no sul da Argentina, onde tenta purgar suas culpas e fugir do passado.
Em “Leonera” (2008), Trapero volta à temática social. Com Rodrigo Santoro no elenco e vencedor do Prêmio Especial do Júri no Festival de Havana (Cuba), o filme acompanha a jornada de Julia, uma mulher presa sob a acusação de matar o namorado em uma situação incerta. Caso seja condenada, irá passar muito tempo encarcerada, mas ela está grávida e vai parar em outra ala do presídio, conhecida como Leonera – onde vivem as “leoas”, como são chamadas as mães presidiárias.
“Abutres” (2010) é um suspense policial engajado, que destrincha a indústria de indenizações recorrentes dos acidentes automobilísticos ocorridos na Argentina. No centro do enredo está o advogado Sosa, (Ricardo Darín), que também vive um dos protagonistas do filme seguinte de Trapero, o drama social “Elefante Branco” (2012) – único a não ser exibido no FICBIC.
Veja o trailer oficial de “O Clã”, em espanhol:
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