A escolha do título brasileiro que vai disputar uma vaga entre os indicados a filme estrangeiro no Oscar tomou dimensões dignas de teledramaturgia. No centro da confusão, está “Aquarius”, assinado pelo diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho. O longa-metragem protagonizado por Sonia Braga é considerado o candidato “natural” a uma indicação, graças a sua boa campanha no exterior, iniciada sob aplausos no Festival de Cannes, um dos principais do cinema internacional.
A “briga” começou ao anúncio da Comissão Especial que vai selecionar o representante do Brasil. Organizado pela Secretaria do Audiovisual, ligada ao Ministério da Cultura, a lista de nove nomes contava com o paulista Marcos Petrucelli, da CBN. O jornalista é crítico frequente de Mendonça Filho e isso se intensificou após o protesto que a equipe de “Aquarius” fez no tapete vermelho de Cannes, chamando de “golpe de estado” o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
A inclusão de Petrucelli na Comissão levou a questionamentos sobre a imparcialidade do processo e resultou na desistência de pelo menos três produções.
A mais recente foi a do filme curitibano “Para Minha Amada Morta”. Segundo diretor Aly Muritiba, a decisão foi muito bem pensada. “Nos perguntávamos a todo momento se deveríamos fazê-lo ou não. Inscrever o filme significaria legitimar a comissão. Não inscrever era dar a esta comissão a chance de justificar sua escolha com um ‘eram as opções disponíveis’”, explicou Muritiba.
“Para mim esta comissão deveria ser destituída e outra convocada. O processo foi viciado com a escolha do crítico Marcos Petrucceli para a comissão”, completa o diretor, lembrando que, além dos ataques a “Aquarius”, o jornalista violou a regra da escolha da comissão, já que publicou a novidade em seu Twitter antes que o MinC o divulgasse.
“Nos perguntávamos a todo momento se deveríamos fazê-lo ou não. Inscrever o filme significaria legitimar a comissão. Não inscrever era dar a esta comissão a chance de justificar sua escolha com um ‘eram as opções disponíveis’”
O filme de Muritiba foi lançado comercialmente e tem trajetória internacional, o que reúne os requisitos de um candidato ao Oscar. Por isso, se outra comissão for formada, a produção volta a pensar.
No dia 24 de agosto, “Boi Neon”, do também pernambucano Gabriel Mascaro e “Mãe Só Há Uma”, de Anna Muylaert, saíram da disputa.
“Diante da gravidade da situação e contrários à criação de precedentes desta ordem, registramos nosso desconforto em participar de um processo seletivo de imparcialidade questionável”, diz comunidade publicado na página de Mascaro.
Procurada pela Gazeta do Povo, Anna Muylaert não quis comentar mais o caso. “Eu ter tirado o filme [da comissão] já é uma opinião sobre o assunto”, afirmou ela.
Queda de braço
Antes mesmo das desistências, Petrucelli afirmou em artigo na Folha de São Paulo que a única divergência que tinha com Kleber era com relação ao momento político. E alfinetou: “Trata-se de um prêmio oferecido justamente pelo imperialismo americano e tão abominado pela esquerda”.
Em réplica nas redes sociais, também publicada pela Folha, comentou que não se tratava da instituição premiadora. “A questão aqui não é Oscar, Goya ou Framboesa. A questão é defender um processo democrático. A escolha do filme para representar um país no Oscar deve ser estratégica para o cinema do país.”
Mais baixas
As baixas não foram apenas no time dos cineastas. No dia seguinte à desistência de Mascaro e Anna, o cineasta mineiro Guilherme Fiuza Zenha e a atriz baiana Ingra Liberato, que faziam parte da Comissão, anunciaram sua saída pelas redes sociais.
Zenha alegou “motivos pessoais”, enquanto Ingra foi mais incisiva. “Não estou escolhendo um lado porque já o tinha feito desde sempre: Sou contra o golpe que impediu e retirou o governo eleito democraticamente de suas funções. Mas não corto relações de amizade com ninguém por causa disso”, afirmou. “Como a comissão tem sua legitimidade questionada por grande parte de nossa classe, me retiro em respeito à minha própria tribo”, completou.
A questão aqui não é Oscar, Goya ou Framboesa. A questão é defender um processo democrático. A escolha do filme para representar um país no Oscar deve ser estratégica para o cinema do país.”
Com isso, a Comissão Especial fica, além de Petrucelli, com Adriana Rattes (ex-secretária de estado de cultura do Rio de Janeiro), Beto Rodrigues (diretor da Panda Filmes), George Torquato Firmeza (Diretor do Departamento Cultural do Itamaraty), Paulo de Tarso Basto Menelau (diretor de programação da rede de cinemas pernambucana Moviemax), Silvia Maria Sachs Rabello (presidente da Abeica (Associação Brasileira de Empresas de Infra-estrutura de Indústria Cinematográfica e Audiovisual) e Sylvia Regina Bahiense Naves (Assessora técnica em Acessibilidade do Audiovisual da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura).
Os integrantes foram convidados por Alfredo Bertini, que assumiu a Secretaria do Audiovisual em junho. O economista recifense é diretor do festival Cine PE.
MinC
Em nota, o Ministério da Cultura reiterou a confiança na comissão, “formada por nomes de reconhecida reputação e conhecimento técnico, que passaram, inclusive, pelo crivo da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas”.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, o secretário do Audiovisual, Alfredo Bertini, disse que “o processo de escolha teve transparência absoluta”. “Nunca liguei para nenhum membro da comissão para dizer qual a orientação do governo”, continua Bertini. “É inverídico achar que o governo tem posicionamento contrário ao filme”, afirmou.
O secretário confirmou que Bruno Barreto irá substituir Zenha e que já tem um nome em mente para substituir Ingra, mas que ainda “precisa confirmar com a pessoa”.
Por ora, seguem na competição o próprio “Aquarius” e longas como “Nise”, “Tudo que Aprendemos Juntos”, “Mais Forte que o Mundo” e “Pequeno Segredo”.
Os filmes podem se inscrever até 31 de agosto. O filme selecionado será divulgado em 12 de setembro.
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