Conforme as divisões raciais e políticas da nação vêm se tornando cada vez mais evidentes agora, três dos cinco filmes que concorrem ao Oscar de melhor documentário mostram como essas divisões há muito tempo fazem parte do país.
“A 13ª Emenda”, de Ava DuVernay, oferece uma visão nítida da indústria lucrativa das penitenciárias privadas. “Eu Não Sou Seu Negro” de Raoul Peck ressuscita um manuscrito inacabado de James Baldwin sobre os assassinatos de Malcolm X, Medgar Evers e do Reverendo Martin Luther King Jr. Por fim, o documentário em cinco partes de Ezra Edelman, “O.J.: Made in America” lança um olhar detalhado sobre a ascensão e queda de uma lenda do futebol americano, inocentado após assassinar sua ex-mulher no que foi chamado de “o julgamento do século”.
Todos os três filmes tratam de temas ligados a questões raciais e foram bem-sucedidos em contextualizar a divisão que o país está confrontando em meio ao fim de uma presidência histórica e um movimento crescente em torno do valor da vida negra. As indicações foram anunciadas na terça-feira (24), poucos dias após a posse de Donald Trump, que ficou marcada por ter se dado lado a lado com protestos na sexta-feira (20) e no sábado (21), que acusaram a nova administração de ser uma ameaça iminente às mulheres, à população não branca, à comunidade LGBT e a outros grupos minoritários.
Escravidão moderna
Em “A 13ª Emenda”, DuVernay identifica as raízes do fenômeno do encarceramento generalizado na escravidão, que foi abolida com uma emenda constitucional que tornava ilegal a escravidão e a servidão involuntária “exceto como punição para um crime”. O filme, que estreou na Netflix em outubro, gira em torno do medo e do ódio racial duradouros que geraram as leis Jim Crow e a segregação. Acompanhando os movimentos dos direitos civis, DuVernay prossegue e passa em revista as décadas seguintes, expondo as manifestações mais recentes de preconceito racial no sistema de justiça penal dos EUA e o estabelecimento da urgência do movimento Black Lives Matter.
Na terça-feira, DuVernay, que também foi a diretora do filme “Selma”, agradeceu à Academia por “amplificar [o barulho] das injustiças da criminalização em massa”. Ela compartilhou um breve vídeo no Twitter, que começa com imagens da era da Reconstrução dos EUA e termina com trechos de vídeos de Trump, cujo histórico turbulento com os afro-americanos é explorado indelevelmente no filme.
Desiguldade
“Eu Não Sou Seu Negro”, que chega aos cinemas no dia 3 de fevereiro, examina igualmente a desigualdade ao longo das gerações. O filme se inspira num manuscrito inacabado de Baldwin chamado “Remember This House”, em que o célebre autor se vê tendo que lidar com as mortes dos líderes dos direitos civis – cada um dos quais havia sido parte da sua própria vida.
No fim, as palavras de Baldwin – narradas por Samuel L. Jackson – representam um retrato emocional do que significa ser negro nos EUA. “Eu Não Sou Seu Negro” também funciona como um lembrete do papel de Baldwin como intelectual e como um crítico severo das relações raciais, com destaque ainda para a presença das cenas fascinantes com o autor no “Dick Cavett Show”.
Baldwin morreu em 1987, décadas após os assassinatos de Evers, King e Malcolm X na década de 1960. Mas o filme parece atual neste momento, justaposto a este pano de fundo de divisão racial de 2017, e Peck intercala com maestria as imagens dos EUA de hoje e do passado que ajudam a ilustrar a conexão.
Relações sociais
O documentário de Edelman para a ESPN, “O.J.: Made in America”, que também foi levado aos cinemas, não tem como seu único foco o atleta, que havia já proclamado famosamente, “Eu não sou negro, eu sou o O. J.”. Em vez disso, o cineasta enquadra Simpson e a sua queda do auge da sua glória examinando com minúcia as relações raciais dos EUA e nos lembrando que, enquanto Simpson foi louvado como o astro do futebol universitário da USC, a cidade de Los Angeles ao seu redor se via dividida pelo levante de Watts em 1965. Edelman explora a recusa de Simpson em se alinhar às causas dos direitos civis. “Para nós, O.J. não tinha cor”, diz um ex-sócio de negócios.
O crítico de TV Hank Stuever, do Washington Post, descreveu o documentário como “nada menos do que uma conquista vultuosa”, apontando que o olhar meticuloso que Edelman lançou sobre a injustiça racial ajuda os espectadores dos dois lados do debate sobre o veredito de Simpson a se prepararem para reviver os momentos em que ele foi declarado inocente. “Os espectadores brancos podem muito bem ter uma nova revelação e passar a uma compreensão mais profunda desse que foi um momento de júbilo para a parte negra dos EUA”, disse Stuever. “E os espectadores negros podem muito bem também enxergar algo de oco nessa comemoração”.
Tradução: Adriano Scandolara
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