Cena do documentário Caverna dos Sonhos Esquecidos, em cartaz no Netflix. Nele, o cineasta Werner Herzog apresenta as pinturas rupestres mais antigas conhecidas pelo homem, com 32 mil anos.| Foto: Divulgação

Caverna dos Sonhos Esquecidos é um documentário impressionante que estreou há pouco tempo no serviço de streaming Netflix. No filme, o cineasta alemão Werner Herzog conta a história da Caverna de Chauvet, descoberta pelo espeleólogo Jean-Marie Chauvet na região de Ardèche, na França, em 1994.

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Herzog, nos anos 70 e 80, pegava uma equipe de filmagem e, no muque, se embrenhava pelas florestas do Peru ou pela Amazônia para contar histórias fictícias de figuras insanamente ambiciosas. Foi assim com Fitzcarraldo (1982) e Aguirre, a Cólera dos Deuses (1972).

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O alemão radicado nos EUA realizou vários documentários ao longo da carreira. Um dos primeiros foi O Grande Êxtase do Entalhador Steiner, de 1974, sobre o campeão de salto com esqui Walter Steiner.

Na última década, Herzog fincou os dois pés no gênero de não ficção, com um ou outro filme de ficção em meio a uma dúzia de trabalhos documentais – longas e curtas-metragens, duas séries para tevê e até uma campanha de trânsito. Além de dirigir, ele escreve os textos e faz a narração dos filmes – e não existe nada igual ao jeito de Herzog contar uma história.

Um convite do Discovery Channel para filmar na Antártida rendeu o filme Encontros no Fim do Mundo , carregado de um humor sombrio e cheio de personagens fascinantes. Para ter ideia do que é esse “humor sombrio”, pense que, para um pesquisador de pinguins, por exemplo, ele pergunta: “Doutor, pinguins enlouquecem?”.

Caverna dos Sonhos Esquecidos se aproxima de Encontros no Fim do Mundo e também tem personagens incríveis. São seis cientistas de áreas diferentes que receberam a permissão do governo francês – dada também a Herzog – para entrar na Caverna de Chauvet e analisar as descobertas feitas dentro dela.

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O alemão a descreve como “a maior descoberta da cultura humana”. Por permanecer fechada durante milhares de anos – Chauvet a descobriu procurando por correntes de ar nas pedras de Ardèche –, a caverna tem hoje, muito bem conservados, ossos de animais extintos há milênios.

Mas o ápice do documentário, o que mais interessa a Herzog e a parte dos cientistas, são as pinturas rupestres (ou rock art, em inglês). Dentro da Chauvet estão os desenhos mais antigos conhecidos pela humanidade: feitos há 32 mil anos. E todos assombrosamente nítidos.

Um documentarista com menos personalidade que Herzog mostraria os desenhos, contaria a história, daria os números e é isso aí. Mas o diretor alemão é único e tem uma maneira muito peculiar de ver o mundo.

Ele observa as pinturas rupestres e identifica que, em algumas delas, os traços sugerem movimento. Ele imagina como seria olhar para elas à luz de tochas e simula a situação das cavernas usando as lanternas dos capacetes e o aparato que conseguiram carregar na expedição. Pela dificuldade de atravessar certos pontos da caverna e pelas limitações impostas pelo governo da França, a equipe de Herzog se resumiu a ele e um cinegrafista, usando traquitanas portáteis. A luz escassa sobre os desenhos nas pedras faz Herzog imaginar um “protocinema”.

Ao entrevistar um dos arqueólogos que visitaram a Caverna de Chauvet, Herzog pergunta com o que ele sonha à noite. “Com leões”, responde o cientista francês. “E você sente medo?”, rebate Herzog.

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O interesse do cineasta na arte encontrada nas paredes da caverna é profundo. Mas arrisco dizer que não é maior que o interesse dele nas pessoas que pesquisam o lugar.

No último dia 25, mais de 20 anos depois de Chauvet descobrir a caverna, uma réplica ligeiramente menor, no valor de US$ 59 milhões (quase R$ 180 milhões), foi aberta para visitação pública também em Ardèche. A verdadeira permanecerá fechada para garantir sua preservação.