Ouça este conteúdo
Há muitas questões perturbadoras sobre “A Garota no Trem”, o thriller que se tornou um best-seller internacional e recentemente foi adaptado para o cinema, mas há dois grandes mistérios que se destacam: Quem matou Megan (Haley Bennett)? E o que aconteceu naquela noite de que Rachel (Emily Blunt) não se lembra?
Como com qualquer livro perturbador, o final é um assunto delicado: Há quem ame, há quem odeie. Para bem ou para mal, a adaptação para o cinema de “A Garota no Trem” manteve, em sua maior parte, o mesmíssimo final do livro, exceto por algumas cenas. E há um novo personagem crucial que ajuda a revelar o porquê de as questões estarem inter-relacionadas.
O ingrediente importante em ambos os mistérios é que, obviamente, o ex-marido de Rachel, Tom (Justin Theroux) é um completo psicopata. Quando os dois eram casados, Rachel sofreu muito para aceitar a sua própria infertilidade, o que a levou a desenvolver uma depressão severa e alcoolismo. Apesar de Tom ter sempre lhe contado que ela fazia coisas horríveis sempre que bebia até apagar – e que é por isso que ele a abandona para ficar com sua amante, Anna (Rebecca Ferguson) –, descobre-se no final que era um caso de “gaslighting” e que Tom a estava enganando o tempo inteiro. Ele era, na verdade, um abusador violento.
Tom também diz para Rachel que ele perdeu o emprego porque ela o humilhou num churrasco com seu chefe, quando ela bebeu até apagar – e é claro que Rachel não consegue se lembrar do que aconteceu. A diretora Tate Taylor explicou que ela queria que Rachel tivesse um momento de “lâmpada acendendo” quando se desse conta de que Tom mentia para ela, por isso inventou a personagem de Martha (Lisa Kudrow), a esposa do chefe de Tom, que encontra Rachel no trem. Quando Rachel a encontra mais tarde no filme, ela se aproxima de Martha para pedir desculpas por seu comportamento no churrasco.
Martha fica visivelmente confusa. Ela conta que tudo que aconteceu no churrasco foi que Rachel passou mal, e então Tom ficou tão furioso que ele a expulsou à força do churrasco e começou a gritar com ela. Ah, e Tom foi demitido não por causa dela, mas porque ele dormia com todas as mulheres do escritório. “Nós ficamos com muita pena de você. Ele era tão mau caráter”, diz Martha.
A “Martha” é uma técnica narrativa das mais sólidas – para o espectador, ajuda ter outra pessoa para confirmar para Rachel que Tom é uma má pessoa. Dali, Rachel pôde ter um flashback da noite de que ela não se lembra (a mesma noite em que Megan desapareceu) e se dá conta de que ela confrontou Tom, que a agrediu com tanta força a ponto de deixá-la inconsciente. Ela soma dois mais dois e se lembra de ter visto Megan entrar no carro de Tom naquela noite – e, logo, deve ter sido ele quem a assassinou.
Mais tarde, Rachel corre à casa de Anna, apesar do fato de Anna ter sido amante do seu ex-marido – porque ela precisa saber a verdade sobre Tom. Porém, Anna sozinha já havia feito sua investigação e descoberto que Tom a traía com Megan antes de Megan ter morrido. Enquanto Rachel se desespera tentando explicar que Anna, que está grávida, precisa fugir, Anna se recusa. “Eu sei que ele trai”, ela diz. “Não vou largá-lo”.
A atitude dela dá raiva, mas só até Tom chegar em casa. Rachel começa a gritar que ele matou Megan e então se lembra de tudo que aconteceu na noite misteriosa, incluindo o fato de que Megan entrou no carro dele. Isso parece fazer Anna despertar: Ela confronta Tom sobre seu caso com Megan, que trabalhava como babá do casal. Tom admite e não sente remorso: “Você estava o tempo todo cansada”.
O público tem então um flashback de como foi que Megan morreu: Quando ela confronta Tom, dizendo que está grávida e que é provável ele ser o pai, ele, sem qualquer cerimônia, manda que ela faça um aborto. Ele diz um monte de outras coisas horríveis e chocantes, como “Você é uma babá de merda. O que te faz pensar que você vai ser uma boa mãe?” Megan lhe diz que pensa em ter o bebê e, então, num insulto que o faz perder as estribeiras, lhe diz que, sem Rachel, Anna ou ela mesma, ele não passa de “só um homenzinho patético e impotente”.
Tom surta, é claro, e agride Megan com violência, batendo sua cabeça até matá-la. Quando voltamos do flashback para o presente, vemos Tom tentando estrangular Rachel. Ela foge e corre para fora da casa, onde consegue feri-lo no pescoço com um saca-rolhas – e os espectadores veem tudo, inclusive todo o sangue. Quando Anna corre para fora também, ela dá uma olhada na situação toda... e torce ainda mais fundo o saca-rolhas no pescoço dele, para garantir mesmo que ele morra.
Então, por mais que elas tenham sido desafetos a princípio, Rachel e Anna colaboram para matar o homem que fez mal às duas e dão apoio uma à outra quando a polícia chega para a investigação. No livro, isso é difícil de imaginar, considerando o quanto as duas mulheres se desprezam. Na tela, porém, vendo o comportamento repugnante de Tom, a cena quase (quase) faz sentido.