Parece filme, de tão improvável, mas aconteceu de verdade. Habitante da Faixa de Gaza, o pequeno Mohammed Assaf tem um sonho que soa impossível: cantar na Ópera do Cairo, no Egito. Antes de subir ao palco da lendária casa lírica, no entanto, ele passa por uma outra aventura. Consegue participar do “Arab idol”, versão egípcia do programa de talentos musicais “American idol”, e chega à final. O diretor palestino Hany Abu-Assad, que tem em seu currículo duas indicações ao Oscar de melhor filme em língua estrangeira por “Paradise now” (2006) e por “Omar” (2013), fez o que se esperava e transportou essa história para o cinema em “O ídolo”, em cartaz em São Paulo desde nesta quinta-feira.
Em 2013, Abu-Assad assistiu à final do programa em Nazaré, sua cidade natal, em Israel, e ficou encantado com a torcida pelo pequeno Mohammed.
“Eu estava muito animado com aquilo tudo, como há muito tempo não acontecia, de ver todas aquelas pessoas torcendo por Mohammed, independentemente de credo, raça ou qualquer outro obstáculo. É o poder da arte, pensei, enquanto observava o telão. Acho que foi essa uma das principais razões pelas quais decidi fazer o filme”, disse ele em entrevista por telefone.
A escolha dos atores — Ahmed Al Rokh, Hiba Attalah, Kais Attalah — e as filmagens, disse o diretor, foram uma aventura à parte. Demorou três meses para conseguir autorização para filmar apenas três dias na Faixa de Gaza. Além disso, a escolha dos pequenos intérpretes teve de ser feita por meio de testes no Skype, porque a equipe de produção não podia entrar no território para percorrer as escolas e outros lugares para fazer a seleção.
“As autoridades israelenses não queriam nos deixar trabalhar. Nos empenhamos muito e conseguimos. Uma vez que estávamos lá, todo mundo se sentia feliz, as pessoas colaboraram. Gaza está em conflito há mais de 20 anos, foram várias Intifadas, conflitos com o Hamas. Tudo isso torna muito difícil viver lá. Por isso, fiquei surpreso de ver como as pessoas são felizes e colaborativas. Elas ficavam felizes de dividir a comida, a pouca que tinham, conosco”, contou o cineasta.
Superação
No território, foram filmados interiores e algumas ruas da Cidade de Gaza — o restante do filme foi feito em Jenin, na Cisjordânia. Os três jovens palestinos escolhidos tiveram que aprender a interpretar de forma improvisada, a partir de conversas e indicações de Assad.
“Eles nunca viram a Cisjordânia, nunca estiveram fora de Gaza. Eu os deixei o mais confortáveis possível. Se não conseguiam fazer exatamente o que eu pedia, dizia para fazerem o que haviam entendido. E deu tudo certo, porque eles entenderam perfeitamente tudo, até a razão pela qual filmávamos as cenas fora de ordem temporal”, explicou Assad.
Para Assad, “O ídolo” vai além de reproduzir a aventura de um menino em busca de um sonho que tem o valor de superação.
“Acho que, como a liderança política falhou em dar liberdade e terminar a ocupação e a opressão de Israel, os artistas têm um papel mais forte em dar conforto para essas pessoas e ajudá-las a lutar por uma vida melhor. Então, há um movimento mais intenso. As pessoas não confiam mais nos políticos, e não é só na Palestina. Elas preferem os artistas e intelectuais. São estas pessoas que têm uma visão do que fazer.”
Além disso, o cineasta classifica o filme como o seu trabalho “mais político”.
“Israel e os Estados Unidos querem punir Gaza porque é a cidade que mais resistiu à ocupação. Muitas pessoas ao redor do mundo não conhecem a realidade do território. Quando as pessoas assistirem ao filme, terão uma ideia melhor do que acontece e de como é a vida para quem mora lá.”
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