Numa das cenas do documentário “Espaço Além – Marina Abramovic e o Brasil”, o médium João de Deus faz uma cirurgia espiritual na córnea de uma “paciente” usando uma faca de cozinha. Ao seu lado, a artista Marina Abramovic serve de assistente.
A cena remete a uma de suas performances iniciais mais famosas da série “Rhythm”, na década de 1970, quando ela se deixou usar por pessoas como um objeto e foi cortada com facas. Em outra cena, Marina encara por horas uma mulher sentada à sua frente. Referência clara a outro trabalho famoso seu : “O Artista Está Presente”.
Quando tem uma longa alucinação com Santo Daime, Marina lembra sua experiência tomando drogas controladas para pessoas com distúrbios mentais nos anos 1970.
Rituais
Este encontro entre ritualismo religioso e performance artística é a ideia central, que se repete muitas vezes no documentário, segundo o diretor Marco Del Fiore. “Foi Marina quem percebeu isso”, disse.
Com experiência no ramo do documentário de arte, Del Fiore foi chamado para dirigir o projeto de última hora. O diretor destaca a forma como a artista se expôs. “Para filmar neste registro é preciso generosidade e confiança. Confiança é difícil de entender, é uma empatia que bate na hora e ela confiou na equipe.”
O filme tem cenas de forte impacto visual, mostrando de dentro rituais pouco conhecidos por quem não professa as respectivas religiões.
Minha ideia era que as pessoas sentissem física e emocionalmente algumas cenas. E também se envolvessem – fosse pelo humor, pela compaixão ou pelo estranhamento. E que o filme tirasse as ideias preconcebidas do lugar
“Minha ideia era que as pessoas sentissem física e emocionalmente algumas cenas. E também se envolvessem – fosse pelo humor, pela compaixão ou pelo estranhamento. E que o filme tirasse as ideias preconcebidas do lugar.”
Ainda que seja um filme sobre uma viagem interior da artista, algumas cenas filmadas em locações com natureza exuberante – como a Chapada dos Veadeiros, em Goiás, e a dos Veadeiros, na Bahia –, funcionam plasticamente como performances independentes da ideia central do filme. “Filmar também é um ritual. E o cuidado com a estética é o mínimo que um documentário de arte deve ter”, disse o diretor.
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