Quando Katherine Johnson entra na sala da força-tarefa da Nasa que está trabalhando naquele que será o primeiro voo espacial a levar um americano a orbitar o espaço, ela encontra o chefe da missão, Al Harrison, que lhe dá uma bronca por seu sumiço. “Onde diabos você esteve?”, pergunta ele. “Por onde quer que eu olhe, você nunca está onde eu preciso que esteja. E não é minha imaginação. Então onde diabos você vai todos os dias?”. “Ao banheiro”, ela responde. Harrison continua: “Ao maldito banheiro! Por quarenta minutos todos os dias?”.
O que Harrison – interpretado por Kevin Costner no filme “Estrelas Além do Tempo”, que estreia essa semana nos cinemas – não sabe é que Johnson, personagem vivida por Taraji P. Henson, precisa se deslocar até um prédio distante quase cerca de um quilômetro da sala para poder usar o banheiro. O motivo: ela é negra e não pode usar o mesmo banheiro de gente branca. E não há nenhum banheiro para negros no prédio em que ela trabalha.
A cena é uma das mais emblemáticas do filme, indicado ao Oscar de melhor filme e baseado no livro de mesmo nome (em inglês, “Hidden Figures” ou “figuras escondidas” em tradução livre), de Margot Lee Shetterly, que conta a história de mulheres negras que desafiaram a política segregacionista do estado americano da Virginia e foram pioneiras na participação em programas da Corrida Espacial que culminaram com a viagem do homem à Lua em 1969.
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O filme conta a história de três dessas cientistas: Mary Jackson (interpretada no filme por Janelle Monáe), a primeira mulher negra a se tornar uma engenheira da Naca, agência especial predecessora da Nasa; Dorothy Vaughan (Octavia Spencer, que concorre ao Oscar de melhor atriz coadjuvante), primeira mulher negra a chefiar um departamento da Naca; e a própria Katherine Johnson , a personalidade mais conhecida entre as três, que, entre outros feitos, calculou a trajetória do voo de Alan Shepard, o primeiro americano a viajar no espaço, em 1959.
Grupo realizava cálculos complexos, mas era confinado a espaço reservado
As três eram participantes de um mesmo grupo dentro da Nasa, os “Computadores da Área Oeste”, confinado ao espaço para pessoas “de cor” dentro da agência. Esse grupo realizava toda espécie de cálculos matemáticos antes do advento do computador eletrônico. Como mostra o filme, as mulheres “computadores da Área Oeste” foram fundamentais para que a Nasa adotasse políticas mais inclusivas ao longo da década de 1960.
Em uma entrevista ao canal Motherboard da revista Vice, Margot Lee Shetterly, ela própria filha de um cientista negro que trabalhou na Nasa, afirma que enquanto havia coisas bastante regressivas na agência, como banheiros e cantinas segregados, “comparado à maioria dos outros lugares, a Nasa era um tipo de lugar progressista”.
“Meu foco foi nas mulheres. Elas experimentaram o trabalho, o preconceito, o preconceito de gênero e o amor por seu ofício de serem matemáticas ou engenheiras. Elas tinham amizade com engenheiros brancos. Como todos nós, tinham diferentes identidades: elas eram negras, elas eram mulheres, elas eram cientistas, elas eram mães, elas eram todas essas coisas diferentes”, afirma.
“O fato dessas mulheres estarem em posição, especialmente mulheres negras, de trabalhar nesse ambiente dominado por homens era mais progressista do que a maioria dos empregos disponíveis para mulheres em geral, especialmente para mulheres negras”, diz a autora.