De longe, o filme mais falado do Festival de Cannes é um que alguém nunca assistirá. John Malkovich escreveu e estrela o filme, dirigido por Robert Rodriguez, que será transportado até o sul da França em um cofre, onde ficará guardado até o ano de 2115, quando a caixa forte magicamente se abrirá e nossos descendentes o assistirão pela primeira vez. Se chama “100 Anos – O filme que você nunca verá”, apropriado para hoje, mas um pouco estranho para as futuras gerações que forem vê-lo.
Isso, claro, se eles descobrirem como dar o play. Em um teaser, vemos Malkovich de luvas brancas, cuidadosamente colocando uma bobina em um cofre. Se esse formato pode se mostrar problemático daqui a dez anos, imagine em cem. O trailer mais parece um anúncio do conhaque Louis XIII, patrocinador do filme – e que também leva um século para envelhecer o tempo adequado.
O filme realmente existe? “Se você atua em um filme, acaba nunca o assistindo”, diz Malkovich. “Atuei em muitos filmes que nunca vi e alguns deles eu particularmente nunca me senti tentado a assistir”, complementou.
De qualquer maneira, mil pessoas receberam convite para a pré-estreia, em novembro de 2115. Isso nos levou a pensar em outras peças de cultura pop que despertam uma curiosidade que nunca será desfeita, pois estão protegidas dos olhos do público.
Aqui estão algumas delas:
“Don’s Plum”
Dias desses passamos a levar Leonardo DiCaprio a sério, porque ele é um ganhador de Oscar e membro da elite de Hollywood. Claro que ele abafa e sai com supermodelos, mas ele também está praticamente sendo morto pela própria arte. Claro que não era sua realidade no meio dos anos 1990, quando ele estava filmando “Don’s Plum”, uma atrevida resposta a “Diner”, incensado pela geração X. Ambientado em uma única noite, o filme mostra DiCaprio, Tobey Maguire e Kevin Connolly em um chat sobre masturbação, ridicularizando qualquer um que passe por ali. Muitos dos diálogos improvisados fazem os rapazes parecerem os homens imaturos e pervertidos que eram naquela época, como faz crer um infame perfil de DiCaprio publicado em 1998, pela New York Magazine. Depois de as filmagens serem concluídas, Maguire e DiCaprio pensaram melhor, então trabalharam para que a estreia do filme fosse proibida nos Estados Unidos e no Canadá.
O filme estreou em outros países, pelo menos – e uma pesquisa mais apurada permite encontrá-lo pela internet. Em janeiro, um dos produtores, Dale Wheatley, postou o filme completo no site freedonsplum.com. Até DiCaprio e Maguire tomarem conhecimento e tratarem de derrubá-lo novamente.
“The Day the Clown Cried”
Se você pensa que “Don´s Plum” soa mal, espere até ouvir a premissa deste desastre dirigido e estrelado por Jerry Lewis, em 1972. O comediante interpretou Helmut Doork, um palhaço alemão que é flagrado por nazistas denegrindo Hitler. Sua punição: ir para Auschwitz alegrar algumas crianças, e então escoltá-las até a câmara de gás.
Um dos poucos a assistir ao drama, o comediante Harry Shearer disse à revista Spy: “O filme é tão grotescamente errado, patético, uma comédia tão despropositada que você não pode, nem em sonhos, torná-lo melhor… ‘Oh, meu Deus’ é a única coisa que você consegue dizer.”
Lewis percebeu seu passo em falso e optou por não lançar o filme. Algumas cenas, porém, acabaram aparecendo online há poucos anos.
“The Day the Clown Cried” não será invisível para sempre (mesmo que sempre seja inassistível). A Livraria do Congresso americano adquiriu o filme em 2015, mas concordou em não exibí-lo por pelo menos dez anos.
“Once Upon a Time in Shaolin”
O grupo de hip hop Wu-Tang Clan passou seis anos trabalhando no seu último álbum, mas gravou apenas uma cópia. Em 2015, o grupo fez um leilão do disco, sob a condição de o comprador não lucrar com ele até 2103 - embora tivesse o direito de deixar os outros ouvirem o registro gratuitamente.
O vencedor por US$ 2 milhões foi o empresário do ramo farmacêutico Martin Shkreli, o mesmo cara que subiu o preço de um medicamento para infecções relacionadas à aids. Durante uma entrevista para a Bloomberg em dezembro, Shkreli contou que comprou o disco para conhecer e sair com pessoas famosas. Até aquele momento, ele não havia ouvido o álbum e esperava convencer Taylor Swift a acompanhá-lo na primeira audição. Desde então, o empresário tem se preocupado com muitas outras coisas, como acusações de fraude.
Basicamente, a boa notícia é que é possível ouvir a música. A má notícia é que para isso será necessário sair com Shkreli.
“Autobiografia de Mark Twain”
Hoje em dia qualquer um pode ler as memórias em três volumes do escritor, mas a publicação dos livros foi autorizada para ser lançada apenas cem anos após a morte de Twain, em 1910. Claro, o grande promotor de si mesmo não aguentaria manter a obra inteiramente em segredo, então algumas histórias foram publicadas pela North American Review mesmo antes da morte de Twain.
Quando o primeiro volume foi finalmente lançado, em 2010, nem todo mundo achou que a espera valeu. O crítico Garrison Keillor escreveu no New York Times que o livro era “uma coletânea de sobras, algumas interessantes, a maioria não.”
Com a estreia do terceiro volume, em 2015, finalmente tivemos algum indicativo de por que Twain precisava esperar tanto: ele perdeu tempo enchovalhando o ex-presidente americano Teddy Roosevelt e filantropo Andrew Carnegie.
Mesmo assim, o livro formava uma peça única com os outros dois. “Desmedido; encantador; cáustico; confessional (’Eu gosto de pompa e exibição’); atravessado por sagacidade, lirismo e pesar”, escreveu o crítico Dennis Drabel, no The Washington Post.
O último livro de Margaret Atwood
Atwood também está em uma espera de um século para lançar um romance - e ela não está sozinha. Em 2114, a Livraria do Futuro, na Noruega, será aberta para negócios, revelando 100 manuscritos nunca antes lidos. A cada ano, de agora até lá, um autor contribuirá para o acervo. A canadense Atwood concordou em ser a doadora inaugural para dar credibilidade à excêntrica ideia. O segundo contribuidor será David Mitchell, autor de “A viagem”, filme das irmãs Wachowski.
Uma realmente longa peça musical
Você pode ouvir agora mesmo a apropriadamente chamada “Longplayer”, de Jem Finer, em trechos curtos espalhados por todo o globo, mas não terá como escutá-la na íntegra. Isso é porque a peça tem duração equivalente a mil anos, então não estará disponível para download até o ano 3.000.
A composição, gravada usando cantores tibetanos, taças e gongos, começou a ser tocada em 1º de janeiro de 2000 e usa um algoritmo para encontrar novas variações no tema de 20 minutos. Se isso soa intrigante, bem, há tempo o suficiente para procurá-la.