Mais baixinho do que se imagina e sensivelmente careca, um agitado Luiz Inácio Lula da Silva abre a porta de sua casa vestindo um conjunto de ginástica de tactel azul e tênis de corrida preto para que nove agentes da Polícia Federal entrem. Quando recebe de um deles, o delegado Ivan Romano, a informação de que será levado para interrogatório no Aeroporto de Congonhas, assusta-se com a possibilidade de estar sendo preso. O policial, quase pedindo desculpas, diz que isso se chama condução coercitiva, ao que o ex-presidente explode soltando um palavrão impublicável.
Na verdade, Lula é Ary Fontoura, o delegado é Antonio Calloni e a cena faz parte do filme “Polícia Federal – A Lei É para Todos”, que mostra os bastidores da Operação Lava Jato sob o ponto de vista dos responsáveis pela investigação. Rodada em um condomínio da Barra da Tijuca, sob o sol escaldante do Rio, a cena é uma das mais importantes do longa (o roteiro termina com o depoimento de Lula à PF) e faz parte da reta final do cronograma de filmagens.
Com estreia prevista para julho e elenco composto por Flávia Alessandra, Rainer Cadete e Marcelo Serrado (no papel de Sergio Moro), “Polícia Federal” surge em meio a uma onda de obras baseadas na operação. O diretor Marcelo Antunez, que tem experiência restrita a comédias, como “Qualquer Gato Vira-Lata 2” e “Até que a Sorte nos Separe 3: A Falência Final”, decidiu apostar alto: planeja rodar uma trilogia. Com distribuição da Paris Filmes e da Downtown, mesma dupla que tem se associado para levar aos cinemas as chamadas globochanchadas, o longa é desde já um candidato a blockbuster brasileiro.
No total, o filme custará R$ 15 milhões. A própria PF forneceu suas imagens captadas durante as operações (da condução coercitiva de Lula, inclusive) e colocou os agentes à disposição da equipe. Mas Antunez rejeita o rótulo de chapa-branca. “Queremos um filme de entretenimento. Não é nosso objetivo politizar o projeto”, afirma.
Com 84 anos e mais de 20 filmes no currículo, o curitibano Ary Fontoura, no entanto, acredita que este longa pode servir para motivar discussões políticas mais profundas. “Até pouco tempo atrás, éramos um país praticamente acéfalo. Hoje todos se preocupam com política. Acho o que tem acontecido de uma importância extraordinária.”
Confira a seguir uma entrevista com o ator:
Como foi a preparação para viver o ex-presidente Lula?
Acho que este é o primeiro personagem real e ainda vivo que faço. E é um personagem complexo, às vezes fácil de entender, noutras muito difícil. Nós, seres humanos, não temos só céu e inferno dentro de nós. A situação da cena é, sob certo aspecto, uma agressão. É algo inusitado. E ele não estava preparado para o que viveu [a condução coercitiva]. A gente tem de ir com cuidado.
Lula tem características marcantes. Você o imita no filme?
Foi exatamente disso que o diretor procurou fugir. Discutimos muito como não repetir abordagens anteriores, inclusive de programas humorísticos. Acabamos sacrificando um pouco a criatividade. Porque assim você cumpre uma finalidade melhor do que seria fazer uma caricatura grotesca, gozando com os assuntos e as impossibilidades de cada um. Não fica uma coisa séria.
De que maneira a parceria com a Polícia Federal ajudou? Vocês viram vídeos e chegaram inclusive a visitar os presos da Lava Jato, correto?
Uma coisa é você saber, ficar longe, observando, até imaginando o que está acontecendo. Outra é você chegar e deparar com aquilo em si. Eu coincidentemente fui [aonde estão os presos da operação] num dia de visita. Aí, cara... Honestamente (pausa). Digo uma coisa muito triste: não via a hora de sair de lá de dentro. Todo mundo chorava, e eu ali, no meio de todos. O Marcelo Odebrecht recebendo os parentes, com uns víveres que tinham mandado, umas bolachas, umas coisas, ele de chinelos Havaianas, uma bermuda, camisa naval, à vontade, como costuma ficar lá, mas profundamente fragilizado. A mim pareceu uma pessoa que não aguenta mais. Você olha e pede a Deus para não cair nesse tipo de tentação, para não ter que passar por uma coisa dessas.
Política na tela
Além de “Polícia Federal”, outro projeto audiovisual deve retratar a operação Lava Jato nos próximos meses: uma série que terá a direção de José Padilha (de “Tropa de Elite” e “Narcos”) e ainda está sem data de estreia prevista.
Também vem aí uma onda de filmes sobre a turbulência política que vive o país. Apenas sobre o impeachment de Dilma Rousseff há no mínimo três documentários de longa-metragem em produção, um deles dirigido por Petra Costa (de “Elena”), outro por Maria Augusta Ramos (“Justiça”). Adirley Queirós (“Branco Sai, Preto Fica”) está filmando a crise em “Era uma Vez Brasília”, assim como Silvio Tendler, um dos principais documentaristas do país.
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