Embora “La La Land: Cantando Estações” tenha sido eleito para abrir um grande festival (o de Veneza, em agosto de 2016), havia ainda um certo espanto sobre a temática com que o diretor Damien Chazelle escolheu trabalhar após o arrebatador “Whiplash”, que levou três estatuetas no Oscar 2015. Um musical metalinguístico sobre Los Angeles, sintetizado na figura de dois aspirantes a artistas. Suspeitíssimo, de fato. O resultado, porém, mostrou que Chazelle não recuou um milímetro em consistência nestes dois anos. E isso se refletiu em muitas premiações: dominou o Globo de Ouro e já é favorito ao Oscar deste ano. A estreia oficial é só no dia 19, mas há sessões de pré-estreia desde quinta-feira (12).
Primeiro, é importante que se diga que se trata de um musical clássico e este alerta é direcionado a quem não gosta do gênero. Sim, há diálogos que começam falados e terminam cantados. Há sequências de dança em meio ao pesado tráfego de LA e mulheres em frentes-únicas esvoaçantes. Mas, habilmente, Chazelle faz desta uma obra que transcende seu formato. Os protagonistas não são meros vocalistas e sim intérpretes vulneráveis de um sonho antigo em Hollywood: o de viver de arte.
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É por isso que Emma Stone e Ryan Gosling são tão perfeitos para este projeto, status que inclui pequenas falhas vocais, um certo desajeito no piano ou nos passos de dança. A atriz de 28 anos está ainda melhor que o parceiro, com quem tem uma química definitiva – os dois já formaram par em outras duas produções e o frescor do encontro se mantém. A câmera ama os dois juntos e isso é primordial.
O filme homenageia “Casablanca”, “Juventude Transviada” e “Cantando na Chuva”, entre tantos ícones da década de ouro do cinema e, a exemplo de “Whiplash”, faz um tributo ao jazz, embora um tanto mais pretensioso.
Elementos do cinema de ouro
Emma levita – às vezes literalmente – em figurinos românticos que remetem a Audrey Hepburn ou Lauren Bacall. O mesmo vale para o parceiro, sempre enfiado em ternos e sapatos bicolores. Mas é em uma cena aos moldes de Doris Day que Mia e Sebastian, seus personagens, surgem. Eles não se dão bem de cara, assim como acontecia nas ingênuas comédias românticas de Doris, uma das primeiras namoradinhas da América. Mas o acaso faz com que as diferenças sejam divertidamente transpostas: caminhadas sob um belo céu transformam-se gradualmente em números de sapateado. Ginger e Fred já o faziam. E a dupla de “La La Land” é reverente a essa memória, embora não tecnicamente tão capaz.
Ela é uma atriz às voltas com testes frustrantes e o trabalho que, tortura das torturas, desempenha em um café dentro de um estúdio hollywoodiano. Já Gosling é um músico falido, preso à ideia de abrir um bar de jazz. Só consegue bicos para tocar música ambiente ou covers de mau gosto. J.K. Simmons faz ponta como um chefe do músico, o que não deixa de ser irônico quando se recorda do tirânico maestro que interpretou em “Whiplash”, papel que lhe rendeu o Oscar de ator coadjuvante.
Recorde
“La La Land” faturou sete Globos de Ouro, quebrando o recorde de prêmios em uma mesma edição: filme comédia ou musical, ator (Ryan Gosling), atriz (Emma Stone), diretor (Damien Chazelle), roteiro, trilha sonora e canção original.
Emma e Gosling fizeram quase três meses de aulas de dança. O ator, o mesmo tempo de piano. No período intenso de treinamento sobrou até para John Legend, que faz um guitarrista. É que o primeiro instrumento do músico americano é o piano e ele teve de se habituar às cordas.
A estrutura simples poderia cair no clichê, mas o filme de Chazelle preserva a humanidade de personagens e situações, incluindo suas chatices. Um filme esteticamente quase perfeito e que se permite a desarmonias e melancolia. Faz jus ao barulho e certamente vai inspirar o público brasileiro a cantarolar por semanas a trilha sonora.