Ben Affleck tem uma reputação que, apesar de não completamente lisonjeira, certamente deve fazer bem à sua autoestima. A tal fama diz que ele é um ator canastrão, mas um diretor com algum talento. “Medo da Verdade” (2007), “Atração Perigosa” (2010) e “Argo” (2012), com boa aceitação no circuito independente e também em premiações, lhe deram o crédito de cineasta competente. Com a estreia da tentativa de filme noir “A Lei da Noite”, nesta quinta-feira (23), é possível que Affleck perca também o voto de confiança em suas escolhas nos sets de filmagem.
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Ele também protagoniza o filme, mas este não é um problema. Mesmo. Esta não é, inclusive, das suas piores performances. Para sua quarta incursão atrás das câmeras, escolheu outro romance de Dennis Lehane, que inspirou também a sua estreia, em “Medo da Verdade” e “Sobre Meninos e Lobos”, que levou dois Oscar em 2004.
O livro não foi dos mais incensados de Lehane, mas mesmo assim foi escolhido como romance do ano em 2013 na premiação Edgar Award, que contempla obras de mistério. A base é boa: ambientado nos anos 1920, acompanha um gângster hesitante, Joe Coughlin, papel de Affleck, em uma ascendente carreira como contrabandista de bebidas durante o período da lei seca.
Affleck se cercou de um elenco consistente, em que brilham Elle Fannning (Loretta, uma menina que involuntariamente atrapalha os negócios de Coughlin), Chris Cooper (o policial Figgis, pai de Loretta) e Chris Messina (Dion, parceiro de Coughlin). Zoe Saldana e Sienna Miller, que interpretam as musas do personagem, não dizem muito a que vieram. A última beira a caricatura.
O desconforto neste filme do irmão de Casey Affleck, favorito ao Oscar de melhor ator neste ano, é mesmo a dificuldade em afinar os diferentes humores do romance nas telonas. A história começa em Boston e migra para a ensolarada Ybor, na Flórida, seguindo o fluxo do mercado negro da bebida, que enriqueceu a máfia e os índices de violência na época. Para cada cidade, uma musa. Se em Boston o coração de Coughlin era da trambiqueira Emma Gould (Sienna), no Sul, passou a ser da carinhosa Graciela (Zoe), que mantém o negócio clandestino de produção de rum.
A mudança radical de parceiras é um ponto importante para entender que a história perdeu a consistência quando transposta para as telas. Intolerância racial (a Klu Klux Kan é outro empecilho para os negócios), religião, amizade, corações partidos, violência extrema também são a essência da história de Coughlin. Mas tudo é esquecível de uma cena para outra. Affleck, que também assinou a adaptação para o roteiro, parece ter se atrapalhado com todas as sutilezas e subtramas do livro de Lehane. O mistério e o clima se perdem no calor da Flórida, assim como a fama de bom diretor do protagonista. A figura triste de Affleck durante o lançamento de “Batman vs Superman”, que viralizou durante o lançamento, há quase um ano, se aplica neste momento.
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