A saga de Guilherme Fontes para realizar “Chatô, o Rei do Brasil” daria outro filme de proporções épicas. Foram 20 anos de filmagens, problemas orçamentários, acusações de mau uso do dinheiro público, finalização acidentada e até uma ponta de Francis Ford Coppola.
Em 2015 a obra enfim ficou pronta e chegou discretamente aos cinemas. Em Curitiba, uma única sala exibe o filme (confira a programação no Guia).
É uma pena que a novela da vida real tenha ofuscado a obra cinematográfica “Chatô”, e que o Guilherme Fontes mau gestor, réu da Justiça, tenha engolido o cineasta.
Adaptação
”Chatô” é uma adaptação do livro homônimo de Fernando Morais. “O Chatô que tentei exumar em 600 páginas de livro está lá”, afirmou o escritor após assistir ao filme. Orçada em R$ 12 milhões, a produção começou em 1995.
Já virou um chavão dizer que tal filme é “único”, mas nesse caso o adjetivo é certeiro. Em toda a produção nacional das últimas décadas, não há nenhum, absolutamente nenhum filme que se aproxime do que foi levado à tela para retratar a trajetória errática do paraibano Assis Chateaubriand, dono do primeiro império de comunicação do país.
“Chatô” testa os limites da cinebiografia. Não apenas pela narrativa não linear, que desnorteia até entendermos aonde estamos indo. Não tanto por mesclar devaneio e realidade sem estabelecer uma linha divisória clara para o espectador.
Menos ainda por levar seu protagonista ao exagero, até porque Chateaubriand, pelo que se sabe, era um megalômano sem freios. A linguagem que o diretor imprime é o que faz história.
Quem imaginava uma colcha de retalhos, dados todos os problemas das filmagens, se surpreende com uma narrativa vertiginosa, na qual Glauber Rocha e o Cinema Novo dialogam com a chanchada e a velocidade do cinema contemporâneo.
Tem comédia, um certo exagero teatral e ironia. Tem Marco Ricca em uma atuação sobrenatural, dando vida a um Chateaubriand egocêntrico e mulherengo, porém, visionário e obstinado, um característico anti-herói brasileiro.
Mais do que um filme poderoso, Guilherme Fontes conseguiu fazer uma grande alegoria do Brasil nestes anos que tomaram a realização do filme.
O país de “Chatô”, com suas riquezas, preconceitos, jeitinhos, corrupção e contradições, não está nada distante de 2015.
A exemplo de Chateaubriand, Fontes é um profissional à frente de seu tempo que acabou consumido por erros grotescos. O cinema tratou de redimi-lo.