Cedo na vida, Travis Knight recebeu dois presentes especialmente estimados de seus pais. Um veio a ele, o outro exigia que viajasse para longe.
Quando estava grávida de Travis, a mãe de Knight, Penny – uma amante de aventuras fantásticas épicas – lia “O Senhor dos Anéis”. Knight acredita que isso o imbuiu de um amor pelo gênero. “Foi um lindo presente”, diz.
E quando Travis tinha oito anos, o garoto – que tinha viajado para pouco além do seu estado natal do Oregon até então – acompanhou com seu pai, o fundador da Nike Phil Knight, em uma viagem de negócios para o Japão. O filho imediatamente se apaixonou. “Desde o momento em que cheguei lá foi como se e tivesse sido transportado para outro mundo. Tudo era tão lindo e de tirar o fôlego e de outro mundo, e tão diferente de tudo que eu havia vivenciado antes”, lembra.
“Da arte e da arquitetura à comida, do estilo de se vestir à música e aos filmes e aos quadrinhos – era algo como uma revelação”, conta Travis Knight. “Foi o começo de meu caso de amor de uma vida com a cultura.”
Nesta quarta-feira (12) chega ao Brasil seu filme de estreia como diretor, “Kubo e as Cordas Mágicas”, uma fantasia animada em stop-motion derivada de um conto popular japonês. O filme, acredito, é por si só lindo e de tirar o fôlego e de outro mundo – e, em certos momentos, visualmente tão diferente de tudo que eu já vivenciei na tela antes.
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Kubo, um garoto contador de histórias tornado guerreiro samurai, parece ter a mesma idade que Travis Knigh tinha quando esteve no Japão pela primeira vez. No começo, Kubo gasta muito de seu tempo com sua mãe enferma escondida dos espíritos malignos em uma caverna escura como um útero. Mãe e filho esquentam-se um ao outro com a chama de contos folclóricos passados oralmente por gerações.
Contudo, quando forças sobrenaturais ameaçam Kubo (dublado na versão original por Art Parkinson), ele precisa se atirar em uma jornada heroica guiado pelas criaturas de tipo parental Macaca e Besouro (nas vozes dos ganhadores do Oscar Charlize Theron e Matthew McConaughey). Há uma viagem por através de um mar perigoso, mas revelações os aguardam na costa do outro lado.
Inspiração real
“Kubo” é uma aventura fantástica ricamente texturizada amorosamente costurada por times inteiros de pessoas. Ainda assim é fácil olhar o conto de crescimento pessoal de Kubo para desenvolvimento de seu potencial – enquanto ambos contador de histórias e líder – e ver o brilho refletido da ascensão do próprio Knight.
Como a maioria das crianças, diz Knight, ele amava animação. Mas diferentemente delas crianças, observa, logo quis se tornar um animador. “Você vai e tenta fazer no porão ou na garagem de seus pais – não havia escolas à época para te ensinar a fazer stop-motion”, diz Knight, a respeito de sua infância nos anos 70 e começo dos 80. “Realmente era apenas tentativa e erro. Tenho inveja das crianças de hoje, porque a internet existe como um tremendo recurso.”
Knight cresceu na área de Portland, onde seu pai ajudou a fundar a gigante de material esportivo de vários bilhões de dólares, que oficialmente se tornou a Nike dois anos antes de Travis nascer em 1973.
“Desde o momento em que cheguei lá foi como se e tivesse sido transportado para outro mundo. Tudo era tão lindo e de tirar o fôlego e de outro mundo, e tão diferente de tudo que eu havia vivenciado antes”
Travis Knight frequentou a Universidade Estadual de Portland, e ainda que tivesse interesse em fazer sons de rap (brevemente atendendo pelo apelido Chilly Tee), se dirigiu para uma carreira nos desenhos animados. Tinha crescido amando um gênero de horror com monstros animados – um estilo de animação que aparece em filmes como “Jasão e os Argonautas”, concebido pelo pioneiro do stop-motion Ray Harryhausen.
“Se algum ser humano é responsável por toda essa loucura que fiz com minha vida”, diz Knight, “é Ray Harryhausen. (...) Em ‘Kubo’, você pode ver algo de sua influência ao longo do filme.”
Nos anos 90, Knight se tornou assistente de produção e então animador no seriado dos anos 90 de stop-motion em argila ganhador do Emmy “Os PJs”, criado por Eddie Murphy e Larry Wilmore e animado pelos estúdios Will Vinton. Além desse seriado e de “Gary & Mike” da rede de televisão americana UPN, Knight pegou trabalhos com publicidade, trabalhando sob prazos apertados em uma ampla variedade de estilos – “pulando do palco para o laboratório de informática, o processo de cada [comercial] sendo completamente diferente.”
Então, mais de uma década depois, Phil Knight fundou o estúdio de stop-motion Laika em Oregon como um sucessor do estabelecimento de Will Vinton (no qual Phil tinha investido previamente). Henry Selick estava a bordo, dirigindo o primeiro curta animado do novo estúdio, “Moongirl”. (O filme foi dedicado à memória do irmão de Travis Knight, Matthew, que tinha morrido de ataque cardíaco enquanto dirigia um ano antes.)
E então veio “Coraline”.
Salto para o sucesso
Adaptado da história de Neil Gaiman, “Coraline” se tornou o primeiro longa de stop-motion do estúdio. “Tínhamos um belo romance escrito por um mestre, e um time de artistas de primeira classe”, diz Knight, que era o animador líder do filme e agora é o diretor executivo da Laika.
Ainda assim, ele observa, o projeto foi rejeitado por toda produtora de grande e médio porte que eles abordaram, até finalmente a Focus Features “sacar” a visão da Laika. Uma companhia, diz Knight, chegou a lhes dizer: “Você não pode ter uma protagonista feminina em um filme de animação – a não ser que ela seja uma princesa.”
O filme, que segue uma jovem garota que viaja por através de um portal que a leva a uma família alternativa, foi lançado em 2009 para sucesso comercial e aclamação da crítica, conseguindo uma indicação para o Oscar. Laika o seguiu com outro sucesso sobrenatural, “ParaNorman”.
Além de ser um artista, Knight diz que tem evoluído em seu papel de ser o chefe. E alguns dos conselhos mais produtivos vieram de uma conversa com o diretor John Stevenson (“Kung Fu Panda”).
“Ele me deu uma espécie de conversa motivacional”, Knight lembra. “Ele disse: ‘um lugar precisa de um visionário. Precisa de um ponto de vista. Precisa de uma identidade. E precisa ser você. Você precisa fazer isso!’”
“Isso mudou tudo para mim, e mudou a forma do que a Laika veio a se tornar.”
Durante uma refeição escocesa cinco anos atrás, em um restaurante à meia luz de Los Angeles, o escritor Shannon Tindle apresentou algumas ideias a Knight. “Uma delas se prendeu às minhas entranhas ainda mais do que haggis (buchada típica escocesa)”, relembra Knight. Era a ideia básica para um conto popular japonês.
A Laika nunca tinha encarado um épico fantástico. “Kubo” ressoou com Knight e com os presentes de infância, história e ambiente, que seus pais lhe haviam dado. “Kubo”, ele diz, “era essa convergência de fantasia e arte e animação, combinada com a transcendência do Japão, tudo unido pelo sustentador amor pela família.”
“Kubo” nos dá figuras maternais e paternais, que guiam nosso jovem herói contador de histórias ao amadurecimento que uma jornada difícil mas bem sucedida traz.
Então, conforme um espectador assiste a esse belíssimo filme, um subtítulo natural vem à mente, dada a história de fundo pessoal do diretor: “Travis e os dois pais amorosos.”
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