Num texto publicado há duas semanas, escrevi que o livro “O Regresso”, do diplomata americano Michal Punke, obra que inspirou o filme do mesmo nome que está em cartaz nos cinemas, era melhor que a sua versão para as telas. Claro que ainda não o tinha visto. Não costumo baixar filmes.
Para bancar tal afirmação, me bastava ver o trailer de três minutos do filme de Alejandro González Iñárritu, vencedor do Globo de Ouro e favorito ao Oscar. Era uma brincadeira do tipo “não vi e não gostei”, para exaltar o livro. Mas os leitores não a compraram. Fui xingado e execrado.
Como jamais quis ofender meus leitores, revisei meu texto e pedi desculpas. É do jogo. Parece que o bom humor morreu junto com o jornalista Paulo Francis em 1997.
Na última quarta-feira (3), ao assistir às três horas do filme de Iñárrittu, numa cabine para a imprensa realizada no IMAX, posso confirmar: é uma pena que o filme tenha se descolado tanto do livro.
Confira os horários das sessões no “Guia”, da Gazeta.
No cinema, “O Regresso” tem todos os defeitos (e algumas qualidades também) para ganhar os prêmios principais da academia.
Sua produção já virou uma lenda: equipe em condições extremas para conseguir uma fotografia espetacular em luz natural. O efeito cria imagens deslumbrantes, algo entre os melhores documentários da BBC e os faroestes de John Ford.
Mas a impressão é de que, para conseguir fazer o filme que queria esteticamente, o diretor mexicano precisou negociar concessões imperdoáveis no roteiro. A trama original – baseada em um personagem real – é uma saga de vingança entre dois homens motivada por honra e um rifle francês. Daqui em diante, este texto tem alguns spoilers.
No filme, o personagem Hugh Glass (Leonardo DiCaprio), após ter sido brutalmente ferido por uma ursa cinzenta, quer vingar a morte do filho índio morto por um inescrupuloso colega.
É possível imaginar a conversa do diretor com seu produtor executivo: “Essa história do rifle não dá! Precisamos colocar um par romântico para o DiCaprio. Uma índia que só aparece em sonho. Quem sabe um filho. Um filho índio. E o vilão mata o menino”. Quem viu o filme “Barton Fink”, dos irmãos Coen, consegue imaginar melhor a cena.
Um caçador de peles viajando pelo território gelado do oeste selvagem com um filho índio de 12 anos é mais ou menos como um soldado do Estado Islâmico viajando com um menino israelense para pilhar alguma cidade histórica na Síria.
Tirando a edulcorada no argumento e toda força que ela roubou do filme, resta uma experiência visual impressionante. Cenas como a da luta de Glass contra a ursa entram direto para a história do cinema e valem o ingresso.
Barbada
O Oscar de ator para DiCaprio é uma barbada. Sacrifícios físicos sempre rendem estatuetas. “O Regresso” tem o maior número de indicações deste ano: 12, incluindo filme e diretor, para Iñárritu.
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