Soa absurdo o esforço dos envolvidos com “O Regresso” em vender a história como um exemplo do triunfo do espírito humano. Foi assim na cerimônia do Globo de Ouro, duas semanas atrás, e deverá ser assim no Oscar, daqui a um mês. O filme tem 12 indicações ao prêmio e estreia no Brasil no dia 4 de fevereiro.
Na verdade, o que se vê na tela é uma amostra do quanto o ódio e a vingança são motores potentes de sobrevivência. Negar isso parece mais uma concessão ao politicamente correto.
Um filme que almeja o prêmio mais importante do cinema americano não pode ser sobre um sujeito que passa o diabo para ter a chance de dar o troco no camarada que o ferrou.
Tem que ser sobre a redenção do homem que enfim encontra a paz de espírito (o que é só outra forma de dizer que ele, enfim, teve sua vingança).
12 indicações
“O Regresso” disputa o Oscar em 12 categorias. Na de filme, ele concorrerá com “A Grande Aposta”, “Ponte dos Espiões”, “Brooklyn”, “Mad Max: Estrada da Fúria”, “Perdido em Marte”, “O Quarto de Jack” e “Spotlight”.
Hugh Glass (c.1780-1833) é o homem em questão. Desbravador capaz de percorrer florestas inóspitas e congeladas com tranquilidade, ele é contratado para guiar um grupo de caçadores a serviço de uma empresa que comercializa peles (naquele frio, elas valem ouro).
Como indicam as datas entre parênteses, ele é uma figura histórica. No filme, ele é o Leonardo DiCaprio.
Durante a expedição, uma série de barbaridades acontece: de ataques de índios à fúria de uma mãe ursa (numa das cenas mais incríveis que vi na vida). Uma quantidade bíblica de homens é morta. Os poucos que restam não estão muito otimistas. O capitão do grupo se vê obrigado a deixar Glass no meio do nada, à beira da morte, sob os cuidados de dois de seus caçadores, mais o filho meio índio de Glass.
A poesia da paisagem é um elemento fundamental no filme, assim como a capacidade que a natureza tem de ameaçar a vida do protagonista.
Um desses caçadores é um criminoso: John Fitzgerald (Tom Hardy), que aceita guardar o moribundo pelo dinheiro – o filho e o outro caçador, um rapaz bem jovem, cedem seus honorários para Fitz e aceitam a tarefa porque admiram o desbravador.
Mais desgraças ocorrem e Glass, abandonado no meio do gelo, vai tentar sobreviver para se vingar.
O filme toma liberdades em relação ao livro em que se baseia, enquanto o livro pega um personagem histórico e imagina uma ficção para ele. Exigir fidelidade histórica de “O Regresso” não tem nada a ver. O ponto não é esse. Até onde se sabe, Glass nunca casou nem teve filhos.
A questão é que o talento absurdo de Iñárritu é maior que a história que ele conta. É uma sensação estranha: “O Regresso” é uma experiência visual intensa, mas o conteúdo do filme é de uma banalidade desnorteante.
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