Em dezembro, o reverendo Roderick Dwayne Belin, líder da Igreja Africana Metodista Episcopal, estava à frente de uma reunião com mais de mil pastores no salão de baile Marriott, em Naperville, Illinois, elogiando as virtudes de um filme hollywoodiano.
“Imagine esse trecho sendo exibido em sua congregação, talvez acompanhado de uma discussão teológica sobre nossa vida no sagrado e nossa vida secular e como, na verdade, não existe divisão”, afirmou, antes de mostrar um trailer do filme “Estrelas Além do Tempo”.
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O filme não tem uma mensagem religiosa óbvia. Trata-se, na verdade, de um drama com final feliz sobre heroínas negras que faziam parte da corrida espacial da Nasa nos anos 1960. Mas a 20th Century Fox – trabalhando em parceria com uma empresa pouco conhecida chamada Wit PR, que vende filmes para igrejas – buscou Belin para ajudar a divulgar “Estrelas Além do Tempo” como uma história inspiradora sobre mulheres que têm fé em si mesmas. Ele passou a apoiar o filme depois de visitar o set de filmagem em Atlanta, onde a Wit PR convidou sete pastores influentes para acompanhar as filmagens e conhecer artistas como Kevin Costner e Taraji P. Henson, que falou sobre sua dificuldade em obter sucesso em Hollywood.
“Eu saí de lá muito interessado em usar o filme para falar sobre a fé”, afirmou Belin.
À primeira vista, Hollywood é uma terra de moral fluida, onde o materialismo é a lei, sexo e drogas são celebrados nas telas (e fora delas), e os poderosos têm um relacionamento distante da realidade. Mas os estúdios de cinema e seus parceiros começaram discretamente – muito discretamente – a construir um relacionamento com espectadores cristãos que fazem parte de outro extremo do espectro político e de valores sociais. Ao fazer isso, os estúdios recorreram a igrejas, grupos de militares, blogueiros de direita e, especialmente, a uma fraternidade de especialistas em marketing que utilizam sua influência sobre obras como “Frozen”, “Invocação do Mal”, “Sully – O Herói do Rio Hudson” e “Estrelas Além do Tempo”.
As produtoras de filmes já não podem mais acreditar que esse público está garantido. Apesar de a população não parar de crescer, a venda de ingressos de cinema tem se mantido estável na América do Norte – algo que desagrada os investidores. Formas de entretenimento mais baratas e convenientes estão ameaçando o domínio das salas de cinema multiplex que durante muito tempo dominaram o público jovem; e o número de pessoas de 12 a 24 anos que vai com frequência ao cinema caiu por três anos consecutivos.
Boca a boca
Hollywood sofre pressão para reverter essa tendência. As igrejas podem parecer um caminho incomum para chegar até os jovens, mas 41 por cento da geração Y participam de alguma forma de prece diária, de acordo com uma pesquisa publicada em 2010 pelo Pew Research Center. Para alcançá-los, muitos pastores criaram vastas redes de mídia social. O reverendo Jamal H. Bryant, pastor de uma megaigreja em Baltimore, Maryland, conta com 250 mil seguidores no Twitter.
Os estúdios costumavam vender filmes bombardeando as redes de TV com propagandas pouco antes do lançamento. Essa tática ainda é utilizada para divulgar os grandes sucessos do verão, mas é uma estratégia cara e cada vez menos eficaz. Em consequência, os estúdios estão tentando alcançar os mercados de nicho que podem ser atingidos por meio do boca a boca.
“Pessoas como Jamal Bryant, que possuem uma rede virtual tão vasta, se tornam o meio ideal para alcançar outros pastores de congregações jovens”, afirmou o reverendo Marshall Mitchell, pastor em Jenkintown, Pensilvânia, um dos fundadores da Wit PR.
“Para ser honesto, a maioria dos estúdios não faz ideia de como vender para nós. Eles ainda estão fazendo o sapateado do Sammy Davis Jr.: ‘Olhem para mim! Você não está impressionado?’ Na verdade, não. Não muito. Mas se você nos leva para ver de perto, muitas vezes ficamos empolgados para divulgar”, afirmou Bryant.
Os estúdios perceberam o poder do mercado em 2004, quando o filme “A Paixão de Cristo”, de Mel Gibson, que custou US$ 30 milhões, apareceu do nada e rendeu US$ 612 milhões no mundo todo. A Sony Pictures obteve vários sucessos com filmes religiosos de baixo custo, como “Soul Surfer – Coragem de Viver” e “Milagres do Paraíso”.
Marqueteiros da fé
Executivos de estúdios de cinema costumavam enxergar o público cristão como um bloco. Isso obviamente não é verdade. Talvez por isso o filme “Noé” tenha vendido menos ingressos em 2014 do que a Paramount esperava. O estúdio imaginou que um filme de orçamento elevado sobre uma personagem bíblica atrairia multidões de religiosos, mas “Noé” teve um desempenho ruim com um público que interpreta a Bíblia de forma mais literal e não gostou de como os anjos caídos foram transformados em monstro de pedra ao estilo dos “Transformers”.
O número cada vez maior de consultores que chega a Hollywood para ajudar a evitar esse tipo de problema – cobrando valores a partir de US$ 300 mil por filme, podendo chegar a até US$ 3 milhões – também está levando a um novo conflito nas igrejas. Alguns pastores de megaigrejas, por exemplo, se queixam de receber muitos pedidos relacionados a filmes.
“Ninguém quer se sentir usado e, muitas vezes, as empresas agem como se as pessoas de fé pudessem ser transformadas a qualquer momento em marqueteiros”, afirmou DeVon Franklin, pastor ordenado, escritor e produtor de filmes como “Milagres do Paraíso”.
Cientes dessa percepção, os estúdios estão tentando manter a dianteira, muitas vezes insistindo que não estão pagando religiosos para divulgar filmes, quando na verdade se trata de um esforço coordenado. Os estúdios vivem com medo de que, ao atraírem um público religioso, acabem perdendo também o público mais secular.
Diversão em primeiro lugar
As regras básicas para vender um filme são as mesmas, afirmou Jonathan Bock, fundador da Grace Hill Media, que discretamente divulga filmes para pessoas espirituais, incluindo “Homem de Ferro”. “O que as pessoas religiosas mais querem quando vão ao cinema, assim como as pessoas laicas, é se divertir”, afirmou.
A divisão de filmes religiosos da Sony, a Affirm Films, tem trabalhado para alcançar um público cristão em outros países, uma área que durante muito tempo foi ignorada pelos estúdios. “Existem bolsões de protestantes evangélicos ao redor do planeta, mas isso exige muito planejamento. É preciso desenvolver um relacionamento com eles”, afirmou Rich Peluso, vice-presidente executivo da Sony. Em alguns casos, a Sony ignorou as distribuidoras de filmes e fechou o lançamento de dramas como o religioso “Quarto de Guerra” diretamente com empresas de mídia cristãs em países como a Itália e a Austrália.
“Muitas vezes as pessoas ficam surpresas por ver um cara cristão conservador como eu trabalhando em Hollywood, mas há muitos de nós aqui. Mais do que as pessoas imaginam”, afirmou Peluso.
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