Já não é novidade que, entre os principais filmes da safra do Oscar, estão os indicados a melhor documentário. Neste ano, chama a atenção, entre os concorrentes da categoria, a recorrência de temas sociais. Especificamente a situação dos negros nos EUA, abordada pelos dois favoritos: A 13ª Emenda e Eu Não Sou Seu Negro.
O extraordinário A 13ª Emenda (que no domingo venceu o Bafta, o Oscar britânico) é o mais acessível aos cinéfilos: produção da Netflix, está à disposição no serviço de streaming. Eu Não Sou Seu Negro foi exibido em pré-estreia no fim de semana na Capital, e até ontem a previsão da distribuidora Imovision era de que entraria em cartaz quinta-feira.
Dos outros três indicados, é possível assistir ao monumental O.J.: Made in America, que em suas quase oito horas disseca o caso do ex-jogador de futebol americano absolvido da acusação de ter matado a ex-mulher, em 1994, graças sobretudo à estratégia de seus advogados, que acusaram os promotores de carregar o caso de preconceito contra O.J., um negro vivendo na high society de Beverly Hills. O.J.: Made in America (não confundir com a premiada série ficcional sobre o mesmo caso) foi produzido pelo canal esportivo ESPN. Ganhou sessões na TV e também nos cinemas dos EUA, para se credenciar à disputa do Oscar. Agora, está disponível na plataforma sob demanda Watch ESPN – é preciso ser assinante do canal para ver online.
Life, Animated, de Roger Williams, sobre o tratamento alternativo de um menino autista, não tem distribuição no Brasil. Fogo no Mar, ao contrário, estreou em Rio, São Paulo e outras capitais – mas os distribuidores e exibidores acharam por bem não trazer o filme a Porto Alegre. Vencedor do Festival de Berlim de 2016, Fogo no Mar é uma produção italiana assinada por Gianfranco Rosi sobre os refugiados que saem da África e do Oriente Médio e, antes de chegar à Europa, têm como ponto de parada uma ilha do Mediterrâneo.
Se o acesso a Fogo no Mar foi mais difícil, o grito dos negros só não ouve quem não quer. Com direção de Ava DuVernay (a mesma de Selma), A 13ª Emenda repassa a trajetória dos afro- descendentes nos EUA pós-abolição da escravidão, sugerindo que, ao longo das décadas, outros meios foram criados para aprisioná-los. Há muito mais negros na cadeia do que brancos, isso já é sabido, mas as reflexões que a cineasta faz sobre o uso da mão de obra dos presos e as políticas públicas de segurança são reveladoras, além de chocantes. São os casos das campanhas de combate às drogas de Nixon e Reagan, que, não por coincidência, como evidenciam as informações colhidas por DuVernay, só serviram para tirar de circulação os pequenos traficantes, em sua maioria negros, sem jamais resolver o problema (semelhanças com outros países não serão igualmente ocasionais).
Formalmente potente (o uso de músicas de protesto é ótimo), A 13ª Emenda ainda reserva um constrangimento a Donald Trump, lembrando seu clamor pela pena de morte a menores de idade acusados de estupro que logo depois, no entanto, seriam considerados inocentes. Pode procurar: dificilmente você encontrará cinema ficcional em Hollywood, hoje, com tamanha força.
OS CINCO INDICADOS:
A 13ª EMENDA
-O filme de Ava Duvernay (a mesma de Selma) traz um panorama da exclusão dos negros nos EUA desde a abolição da escravidão. Pode ser visto na Netflix
EU NÃO SOU SEU NEGRO
-Raoul Peck dirige este aclamado filme construído a partir do inacabado livro sobre líderes negros deixado pelo escritor James Baldwin. Estreia nos cinemas prevista para esta quinta-feira
FOGO NO MAR
-Grande vencedor do Festival de Berlim 2016, o filme de Gianfranco Rosi retrata a vida na ilha italiana do Mediterrâneo onde aportam refugiados da África e do Oriente Médio. Inédito nos cinemas gaúchos, está disponível em DVD
O.J.: MADE IN AMERICA
-Documentário de quase oito horas que Ezra Edelman dirigiu para a ESPN sobre O.J. Simpson. Pode ser visto na plataforma sob demanda Watch ESPN (exclusiva para assinantes do canal)
LIFE, ANIMATED
-O azarão da disputa narra a história de um menino autista que passou a se comunicar com a família quando esta se vestiu de personagens da Disney. Sem lançamento previsto no Brasil