Kenneth Lonergan é reconhecidamente um grande dramaturgo e roteirista, mas em “Manchester à Beira-Mar” (que estreou nacionalmente, mas ainda não está em cartaz em Curitiba), seu retorno à direção de cinema, precisou de um empurrão amigo. Endividado e em meio à projetos difusos no teatro, Lonergan fez esta obra, dolorosamente real e muito comovente, graças a Matt Damon.
O ator tinha uma ideia de roteiro fervilhando na cabeça após uma conversa com o colega John Krasinski (mais famoso por seu personagem Jim Halper de “The Office”). A proposta era que o autor escrevesse a história para que Damon além de atuar, também fizesse sua estreia atrás das câmeras. Muitas mudanças depois, uma das preciosidades do cinema desta temporada consagrou Lonergan e Casey Affleck, que acabou ficando com o papel do amigo de infância.
Este clima fraterno, expresso no próprio roteiro, está muito impregnado no resultado, filmado em Massachussetts, terra natal de grande parte dos envolvidos. Damon, que despontou ao estrelato por conta de “Gênio Indomável”, projeto autoral ao lado de Ben Affleck, sabia o que tinha nas mãos e o que representava desistir para o caçula dos Affleck. “Este é um dos melhores papéis que eu já vi para um protagonista. Eu não queria entregá-lo de mão beijada para alguém a não ser que fosse alguém com eu cresci e que desistir me faria feliz”, disse em entrevista ao “The Hollywood Reporter”.
Enquanto Damon fazia blockbusters como “Perdido em Marte”, Casey Affleck filmava o papel de sua vida, pelo qual ganhou o Globo de Ouro de melhor ator dramático e é favorito ao Oscar na mesma categoria. Ele já havia sido indicado ao Oscar de ator coadjuvante em 2008 por “O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford” e elogiado por “Medo da Verdade” (filme dirigido pelo irmão Ben), mas se manteve principalmente no circuito independente. Após “Manchester à Beira-Mar”, isso não será mais uma opção. Sua performance sem artifícios vai demandar esforço extra para mantê-lo exclusivamente no cinema independente, já que é certo que ele já está na mira do cinemão.
Camadas
O drama denso, filmado com delicadeza por Lonergan, tem uma estrutura simples, como um drama teatral mesmo. Filmado em uma gélida orla de Massachussetts, acompanha Lee Chandler (Affleck), um zelador de condomínio irascível e cínico, que tem de voltar às pressas para Manchester, sua cidade natal, por conta de um problema familiar.
A desconfortável estada torna-se mais longa do que ele supunha e Lee passa a conviver com o sobrinho adolescente, Patrick (Lucas Hedges) diariamente. Uma situação trágica recente se sobrepõe a um misterioso acontecimento no passado, que fica mais evidente a cada vez que Randi (Michelle Williams), ex-mulher de Lee, aparece em cena.
O tempo de tela da atriz é diminuto, mas suficiente para fazer com que o protagonista tenha calafrios, embora tente se controlar. Exibindo uma maturidade impressionante, Michelle também é cotada para uma indicação no principal prêmio de Hollywood. Uma cena emblemática com Lee (você vai saber qual é quando assistir ao filme) fez até mesmo o diretor chorar durante as filmagens.
A atuação de Affleck, que oscila entre comedida e estarrecida, acaba por ser o tom do filme inteiro. Nos momentos com Lucas Hedges, é possível até encontrar alívio cômico. E essa relação comovente soa como vida real, em que se elabora as tragédias cotidianas da maneira que é possível.
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