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Por que gostamos tanto de ir ao cinema ver o mundo ser destruído?

Em “Independence Day: o Ressurgimento”, invasão alienígena quase dizima o planeta | Divulgação/
Em “Independence Day: o Ressurgimento”, invasão alienígena quase dizima o planeta (Foto: Divulgação/)

Nas telas do cinema, a sobrevivência da humanidade está sempre por um fio. Tanto faz se a ameaça vem de catástrofes naturais, vírus, robôs, zumbis ou extraterrestres, o apocalipse iminente costuma ser sinônimo de grandes bilheterias. Exemplos não faltam, como o blockbuster “O Dia Depois de Amanhã”, o drama “Melancolia”, “Independence Day: o Ressurgimento” e “Inferno”.

Mas de onde vem tanto sucesso? O que atrai tanto o público para os filmes de catástrofe? Segundo psicólogos que estudam a área, os filmes apocalípticos representam mais do que simples alertas sobre a proximidade do fim. Eles, na verdade, são formas de lidar com os medos mais antigos e secretos da humanidade.

“Uma das funções do cinema é dar vazão a nossos anseios, desejos e medos inconscientes”, diz o psicólogo Gustavo Melo, pesquisador do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Psicanálise e Cinema da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. “Esses filmes possuem um papel semelhante ao dos mitos antigos, ajudando-nos a lidar com aquilo que os saberes organizados não dão conta. Eles elaboram um horror mais profundo, apresentando de forma prazerosa o que seria intolerável de outro modo”.

Segundo o psicólogo, os filmes apocalípticos lidam com as três fontes de mal-estar do homem que foram apontadas por Freud: a mortalidade, a impotência frente às condições naturais e a relação com outros seres humanos. “Os temas desses filmes, sejam eles as catástrofes naturais, as guerras ou qualquer força superior que não pode ser enfrentada, sempre tratam de alguma forma desse mal-estar”, diz. “Ao ser representado no cinema, isso pode ser encarado de forma menos traumática.”

Mitos ancestrais

A fascinação - e o horror - pelo fim da humanidade, no entanto, não é exclusividade do cinema. A ideia do apocalipse é muito antiga e está presente nos mitos e contos mais ancestrais da humanidade. Segundo a psicóloga Danit Zeava Pondé, professora do Centro Winnicott e autora do livro “Cinema no Divã”, o medo do fim do mundo não é apenas uma paranoia, mas tem um pé na realidade. “É possível que um meteoro colida com a Terra - isso já aconteceu antes. Do mesmo modo, é possível que uma epidemia varra a humanidade, que existam extraterrestres e hecatombes de todas as ordens”, diz.

“Do mesmo modo, é possível que você seja atropelado ao cruzar a rua”, afirma a psicóloga. “O medo, na verdade, é parte constitutiva do que nos faz humanos, está presente em todas as sociedades e, evolutivamente, contribuiu para a nossa sobrevivência. O que Hollywood faz é flertar e dar nomes a esses medos”.

Por isso, além de refletir os temores mais inconscientes e antigos da humanidade, os filmes acabam tratando também sobre as questões e terrores de seu tempo. Nos anos 1960, por exemplo, o holocausto nuclear era representado em filmes como a clássica comédia “Dr. Fantástico”. “Hoje em dia é comum que os filmes tratem sobre os avanços do conhecimento humano, e seus temas mudem conforme avança a fronteira do que sabemos” diz Danit Pondé.

“O medo, na verdade, é parte constitutiva do que nos faz humanos, está presente em todas as sociedades e, evolutivamente, contribuiu para a nossa sobrevivência. O que Hollywood faz é flertar e dar nomes a esses medos”

Danit Pondé psicóloga

Assim, quando o homem explorou o espaço, isso se refletiu nos extraterrestres de “Guerra dos Mundos” e no meteoro de “Armageddon”. Quando estudou o mundo microscópico, surgiu o vírus de “Extermínio”. E quando desenvolveu a inteligência artificial criou o “Exterminador do Futuro”.

Temores da cada tempo

Os psicólogos dizem que, além disso, cada um dos temas dos filmes apocalípticos, ajuda a representar um temor mais sutil e inconsciente de seu tempo. Os robôs e a inteligência artificial, por exemplo, podem representar o homem moderno, que age cada vez mais como autômato. “Temos que ser produtivos e precisos. Sem as falhas, vicissitudes e paixões que nos tornam humanos”, diz Gustavo Melo. “Esses filmes mostram, na verdade, o medo de que os homens virem máquinas.”

Da mesa forma, os zumbis dos filmes teriam menos relação com o folclore caribenho de onde surgiram, e mais a ver com a vida nas cidades do mundo moderno. “Isso fica totalmente claro nos filmes de George Romero, como ‘A Noite dos Mortos Vivos’. Ele está tratando do horror da morte em vida, de uma vida sem significado e sem individualidade”, diz o psicólogo. “O seriado ‘The Walking Dead’ deixa isso ainda mais claro, ao mostrar que o verdadeiro perigo não são os zumbis, mas os outros humanos que se desumanizam.”

A psicóloga Danit Pondé diz que, em um momento desses, quando as pessoas buscam cada vez mais fugir de seus sentimentos, ir ao cinema para sentir medo pode ser uma prática saudável. “Em minha clínica, vejo pessoas que não querem sentir e ser afetadas por nada. As telas do cinema podem ajudá-las a entrar em contato com sentimentos que não se permitem viver no dia a dia, como inveja, tristeza, raiva e ciúmes”, diz. “E o medo trata justamente disso: da condição humana de ser afetado pelo mundo. É por isso que o medo dá prazer: ele faz você se sentir vivo.”

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