Até o início da década de 1990, na era pré-internet, havia um ritual nas sessões de cinema que todo cinéfilo que se prezasse não poderia perder. Era fundamental chegar no horário certo e se acomodar na poltrona a tempo de ver os trailers que antecediam o filme. Dessa forma o público tinha a curiosidade aguçada com uma mostra dos lançamentos que estavam por vir. Veio a internet, o YouTube e, com eles, essa tarefa ficou muito mais fácil. Não só fácil, como lucrativa. Hoje, os trailers se tornaram tão importantes quanto os próprios filmes, alimentando uma indústria que movimenta produtores, diretores e, principalmente, espectadores.
Segundo uma reportagem do Los Angeles Times, somente em 2015, as pessoas assistiram a mais de 35 milhões de horas de trailers cinematográficos no YouTube. Algo equivalente a quase 4 mil anos. Um exemplo de quão envolvidas as pessoas estão com essa atividade foi o segundo trailer de “Star Wars: o Despertar da Força”, que no dia em que caiu na web já chegou a 88 milhões de visualizações.
A pergunta que fica é: as pessoas estão vendo mais trailers porque a oferta dos estúdios é maior, ou há cada vez mais trailers porque o interesse do público está crescendo? De acordo com o LA Times, em 2000 havia nos Estados Unidos em torno de dez empresas voltadas exclusivamente para a produção de trailers. Hoje, são mais de cem. Tamanho investimento pode ser tanto uma importante ferramenta de marketing quanto um tiro no pé.
Veja o caso de “Esquadrão Suicida”, cujo primeiro trailer saiu em julho do ano passado, quase um ano antes da estreia. Considerado sombrio demais, teve repercussão negativa e colocou os produtores em alerta. Meses depois, um novo trailer apresentava um filme com mais humor e mais próximo do resultado final. Segundo a imprensa americana, o diretor David Ayer foi obrigado pelo estúdio a fazer mudanças significativas no filme justamente devido à recepção aos trailers.
Isso ajuda a explicar o fato de ter se tornado comum às grandes produções ter três ou até quatro trailers diferentes. O que nem sempre é bom para o espectador. Semana passada foi divulgado um novo trailer de “Rogue One: Uma História Star Wars”, que estreia em 15 de dezembro. Ao que parece, até lá não vai sobrar quase nada da história. “Vimos tanto do filme que é preocupante. Todos os mistérios que esperávamos resolver já estão lá”, reclamou Beth Elderkin, do site americano io9.
Esse é um problema que vem se tornando recorrente, quando trailers condensam as melhores cenas, as piadas mais engraçadas e acabam se mostrando melhores que os próprios filmes. Em entrevista ao The Independent, Mark Wooley, montador de trailers como os de “A Rede Social” e “Cisne Negro”, indica como deve ser o trabalho. “Grandes trailers têm sempre questões palpitantes, mas sem nunca respondê-las. Eles abrem seu apetite. Quando você consegue se lembrar do trailer após assistir ao filme, é sinal de que era um bom trailer”, diz.
Confira dez trailers que entraram para a história
Citado em muitas listas como o melhor filme de todos os tempos, “Cidadão Kane” já nasceu com grandes pretensões. É o que comprova o trailer do filme, preparado especialmente por Orson Welles de forma inusitada. O próprio diretor faz a narração, apresentando o filme sem praticamente nenhuma cena dele.
Quem começa introduzindo o filme também é o diretor, Alfred Hitchcock, anunciando que naquele local aconteceu um crime. O trailer foi produzido em 1960, mas caberia perfeitamente nos dias atuais. A montagem frenética, o uso da trilha sonora, os takes e frases cuidadosamente selecionados serviram como referencial às gerações seguintes, especialmente no suspense e no terror.
Pessoas passando mal, saindo apavoradas da sala de cinema e até a lenda urbana de que uma grávida teria dado à luz no meio da sessão. Essas foram às reações à estreia de um dos maiores clássicos do terror da história. Antes do lançamento, porém, um trailer já aterrorizava tanto quanto o próprio filme. Uma narração inicial e uma sequência de imagens distorcidas foi o suficiente para o trailer ser censurado por ser perturbador demais.
O trailer daquele que foi o primeiro blockbuster de super-heróis da história dá um baile nos representantes da DC/Marvel atuais, com suas piadas, lutas, efeitos especiais e trilha sonora descolada. O trailer de “Superman” é tido como modelo clássico do gênero: apresenta a introdução da história, os atores principais e um pouco dos efeitos especiais. E, claro, deixa o melhor para o público descobrir vendo o filme.
A criatura horrenda que dizima a população de uma nave espacial se tornou icônica, mas os espectadores só foram conhecê-la ao ver o filme. Sem a narração comum à época, o trailer tem apenas uma trilha sonora tensa, o que já fez dele algo assustador. Um exemplo de como atiçar a curiosidade do público e preparar seus nervos para o que virá.
Se você foi ao cinema nas décadas de 80 e 90, ouviu muito a voz grave que narrava grande parte dos blockbusters da época. Hoje a maioria dos trailers deixou a narração de lado, mas até então era um desafio unir esse texto, os diálogos e as imagens sem soar redundante. “T2” é um exemplo perfeito de como fazer isso.
Quentin Tarantino se tornou tão idolatrado porque faz filmes com um pé no passado e outro no presente. O trailer daquele que se tornou seu clássico segue a mesma linha. Tem o espírito dos anos 70 na estética e na narração, mas incorpora o novo (à época) com a montagem veloz. E o melhor: dá um aperitivo, mas não entrega as melhores cenas.
O terror estilo “falso documentário” já deu o que tinha que dar, mas quando o primeiro grande representante do gênero chegou às telas foi um furor só. A responsabilidade por isso em grande parte foi do trailer, que tinha pouquíssimas imagens e muita escuridão. E, mesmo assim, era de arrepiar.
No final dos anos 90 ainda era padrão ter apenas um trailer de divulgação. Como a saga “Star Wars” estava prestes a ser retomada 16 anos depois, o lançamento das primeiras imagens de “Episódio 1” se tornou um evento. E a missão foi cumprida com louvor. O trailer aplica a narrativa clássica (com início, meio e fim), entregando tudo que os fãs esperavam: quem seriam os personagens, cenários, efeitos especiais e o enredo principal. Só faltou o filme cumprir as expectativas.
J.J. Abrams já havia se mostrado gênio do marketing de entretenimento com “Lost”. Em sua estreia no cinema, não deixou por menos. Quando a indústria do trailer já começava a ganhar corpo, ele conseguiu deixar o público em polvorosa usando pouco, quase nada.
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