No dia do primeiro jogo da Copa do Mundo de 2014 em Curitiba (Irã x Nigéria, em 16 de junho) o entorno da Arena da Baixada, no bairro Água Verde, foi sitiado. O estádio era o epicentro de um raio de dois quilômetros, reservado à zona de exclusão da Fifa. Quatro horas antes do jogo, só torcedores com ingresso, moradores e comerciantes cadastrados poderiam circular por ali.
Com esta informação, um quarteto formado pelo cineasta Jandir Santin e os atores Maicon Douglas, Guilherme Chalegre e a alemã Clarissa Nigbier saiu do terminal do CIC rumo ao centro de Curitiba, seis horas antes do apito inicial. A “quadrilha” se escondeu no restaurante em que um amigo trabalhava, dentro do cerco.
Quando a multidão de turistas tomou as ruas, eles saíram da toca e filmaram cenas externas do curta-metragem “Paixão Nacional”, escrito e dirigido por Santin. Veja o filme abaixo:
Tinha mais. De posse de três ingressos, a produção chegou até as arquibancadas do jogo Rússia x Argélia (26 de junho). “Foi o investimento mais gordo do orçamento: R$ 450 por entradas de estudante que comprei de um amigo”, lembra o diretor.
Dentro do estádio foi filmada, clandestinamente, a cena final do filme, que mostra uma história de amor difícil entre um morador da periferia e uma turista alemã durante a Copa.
“Nós tentamos a autorização pelas vias legais, mas nos disseram: “A Fifa não ganha dinheiro com ingressos, ganha licenciando estas imagens para o mundo. Este é o tesouro deles, podem esquecer”.
Contra a vontade dos cartolas, Santin rodou o filme que correu o mundo em festivais como o Festival Internacional de Cine de Huesca, na Espanha, onde concorreu, no mês passado, a uma prévia da lista latino-americana do Oscar.
Vila Sabará
O curta e seu método guerrilheiro de filmagem falam muito do cinema que Santin faz e quer fazer.
Morador do Diadema, uma das comunidades que compõem a Vila Sabará, que abriga cerca de 20 mil pessoas na Cidade Industrial de Curitiba, Santin acha que seus filmes servem para contar “os saberes e os valores” das pessoas que vivem na periferia.
“Uso minha história para mostrar para a gurizada: mesmo que você não esteja no emprego que sonha, a coisa sempre pode mudar. Nunca é tarde demais.”
“São pessoas que enfrentam a escassez, são massacradas de várias formas e ainda fazem arte. O mundo precisa ouvir o que a dona Maria, minha vizinha, tem a dizer sobre o que é ser mãe, o que é ser mulher. Meu cinema é sobre isso”.
Gaúcho, criado em Santa Catarina, Santin veio para Curitiba atraído pelo curso de cinema da Faculdade de Artes do Paraná (FAP). Fez o mesmo caminho de vários outros jovens de outros estados, como o baiano Aly Muritiba. Além da gratuidade do curso, o edital do vestibular os atraiu por cobrar conhecimentos em cinema e literatura, não em química.
Santin começou a faculdade, mas a abandonou (“por enquanto”) quando viu que era melhor partir para a ação direta.
O último trabalho de sua produtora Gesto de Cinema foi a série de TV “Nóis Por Nóis”, escrita por ele e co-dirigida com Muritiba com produção da Grafo.
O roteiro é baseado na história real do menino cujo celular filmou a própria morte pela Polícia Militar no Rio de Janeiro no ano passado.
“São pessoas que enfrentam a escassez, são massacradas de várias formas e ainda fazem arte. O mundo precisa ouvir o que a dona Maria, minha vizinha, tem a dizer sobre o que é ser mãe, o que é ser mulher. Meu cinema é sobre isso”.
O próximo também vai ser um drama (“a melhor forma de contar uma história”, segundo Jandir) e vai unir as linguagens que o cineasta mais aprecia.
“O samba e o rap que me inspiram muito. Às vezes me perguntam, ‘quem é tua referencia, Godard ou Truffaut?’ Eu digo que é Cartola, Mano Brown e Wilson Batista”.
Batizado de “O dia em que o morro descer e não for carnaval”, o filme também vai falar da violência sofrida pela população pobre e negra na periferia.
“É o tema que tem me sensibilizado e uso meu cinema para, de alguma maneira, trazer o tema para o debate e convocar à ação”.
Vendedor e garçom
Antes de trabalhar com cinema, Santin foi estoquista e vendedor em uma loja de roupas, depois vendeu pacotes turísticos e consórcio de carro por telefone, foi garçom em bares e restaurantes.
A coisa mudou quando se aproximou dos movimentos sociais no Rio Grande do Sul e começou a trabalhar com educação de crianças e usar filmes para ensinar história. “Usei o cinema para ensinar e acabou virando a minha vida”, conta.
Casado com a sócia Lais Melo, transformou em produtora a pequena e simpática casa em que vivem, com dois cachorros, ao lado do Parque dos Tropeiros.
“Uso minha história para mostrar para a gurizada: mesmo que você não esteja no emprego que sonha, a coisa sempre pode mudar. Nunca é tarde demais.”
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